Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
Além dos compartimentos socioculturais e técnicos presentes entre as variáveis que interferem nos resultados obtidos pelos curadores, é possível reconhecer a forte subjetividade de um elemento, metafórico e essencial, que alicerça o elo de confiança entre o doente e o curador: o dom.
Essa característica do curador ¾ o dom ¾, sempre reconhecida pelo doente, está acima da competência profissional: trata-se de sentimento incomensurável atando curadores e doentes.
Seja nos parâmetros do cientificismo, obedecendo às regras universitárias, ou nos ainda desconhecidos marcos do paranormal, presente no prodígio espontâneo e não reproduzível no laboratório, as relações certos curadores e as crenças e idéias religiosas continuam impondo obrigatória reflexão dos significantes e interpretações simbólicas.
Nessas condições complexas, que envolvem múltiplos componentes sociais e, possivelmente, também genéticos, é necessário diferenciar as construções teóricas:
– Do doente, com as experiências trazidas pelo medo do sofrimento e da morte prematura;
– Das práticas de curas, com as respectivas interpretações temporais da doença e da saúde;
– Dos curadores, envoltos nos entendimentos do diagnóstico, prognóstico e tratamento.
A História está repleta de dados que confirmam a existência, desde tempos imemoriais, dos curadores empurrando os limites da cura nos espaços sagrado e profano das relações sociais. A maioria dos trabalhos publicados está colocada na polaridade estática que favorece o maniqueísmo: transcrevem em análise elogiosa, quando os curadores estão apoiando o poder dominante ou, simplesmente, desprezam-nos quando representam a resistência.
É possível teorizar o papel social dos curadores situado em contexto mais amplo, estendendo a análise temporal, como história de longa duração, sob o enfoque dinâmico da luta travada pelos grupos na ocupação dos espaços políticos, para compreendê-los também como agentes de coesão, contribuindo na ordem ou na desordem das sociedades.
A sedução exercida pelo curador, de todos os matizes, que se mostram com dom competente para sarar as queixas dos doentes, tem sido constantes nas colchas sociais. Esses homens e mulheres com dotes especiais mostram-se, desde tempos distantes, capazes de curar certas doenças e, em casos excepcionais, se fazem crer ressuscitando alguns mortos.
A Bíblia, referência maior no Ocidente, da luta humana para organizar-se e vencer os empecilhos à sobrevivência, está recheada de interpretações dos poderes do curador.
Não só os famintos têm a fantástica disposição para aceitar, sem resistência, o apelo de quem consegue elaborar, claro e rápido, a proposta salvífica dos curadores com dom: ricos e pobres estão envoltos na mesma malha.
A sedução da aderência dos curadores com dom é engendrada nos meandros ambíguos do sagrado com o profano. A base do convencimento é montada na possibilidade, trazida pelas linguagens-culturas, para minorar a dor da fome e do frio, afrouxar os rigores da ordem sobre a sexualidade, reforçar a posse da terra e a experiência religiosa com o sagrado.
As relações sociais do curador com dom repetem, sem cessar, o cerne protetor, não existe mudança na essência dogmática salvífica. As reinterpretações adaptadas à temporalidade social são feitas na linguagem superficial, na forma, não no conteúdo, adaptando-as às linguagens-culturas dos suplicantes. Desse modo, em incontáveis registros, estão descritas os louvores aos curadores com dom capazes de curar doenças e dores.