ARQUEOLOGIA DO CURADOR

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

O homem contemporâneo pertence à subespécie Homo sapiens, que possui características exclusivas entre mais de quatro mil e duzentas espécies de mamíferos existentes no planeta: bípede, pelado e transforma a natureza ao sabor da sua vontade. Ele se envaide de possuir o maior cérebro entre todas as espécies: 1.500 gramas no adulto jovem, basicamente, especializado em receber e estocar informações e enviar ao corpo as instruções para manter a vida.

Coordenadas pelo cérebro, a fuga da dor e a busca de mecanismo para empurrar os limites da morte estão entre essas funções essenciais do homem. No intervalo de tempo entre o início e o fim da vida, convive com a certeza da doença e da morte. Nas poucas dezenas de anos que consegue viver, gasta grande parte na procura incessante da saúde e do prazer.

Depois de estabelecidas ao longo de milhares de anos as relações saúde-doença e vida-morte, o homem desenvolveu e acumulou conhecimento objetivando o equilíbrio entre esses dois binômios favorecendo o aumento do tempo de vida.

Essa construção da ontogênese é recente se comparada aos anos que o homem, e, provavelmente, representa a mais importante  especialização que deu origem a procura do conforto e da saúde, em consequência, à sobrevivência.

Se pensarmos que somente um por cento das espécies antes existentes conseguiram permanecer vivas, nada pode garantir que o homem viverá na Terra indefinidamente. Esta afirmação é tão verdadeira como é o comportamento destruidor que o homem sempre teve, capaz de determinar alterações significativas em quase todos os sistemas ecológicos do planeta, formados ao longo de milhões de anos.

O que talvez mais contribua para esta atitude desorganizadora da natureza seja a idéia falsa da imutável estabilidade do mundo. Nada pode ser mais enganador.

O processo que culminou com o homem contemporâneo foi lento. Há 600 milhões de anos a vida começou e ficou restrita aos mares nos 400 milhões de anos seguintes. Seguiu-se o aparecimento e o desaparecimento dos répteis gigantes, período que durou 200 milhões de anos, sendo acompanhado de significativas alterações na fauna e na flora marinhas em conseqüência do aumento da salinidade nos mares. Os últimos milhões de anos foram marcados pela gradativa ascensão dos mamíferos até o aparecimento dos nossos ancestrais mais distantes: Australopítecos,  2.500.000 anos; Homo habilis, 1.000.000 anos; Homo erectus, 500.000 anos; Homo sapiens neanderthalensis, 100.000 anos; Homo sapiens, 40.000 anos.

O cuidado com a saúde pode te começado em qualquer ponto dos últimos 40.000 anos e certamente se iniciou na fuga da dor e na procura do conforto. A retirada de espinhos e parasitas da pele em forma individual ou coletivamente com a ajuda de outros membros da comunidade pode ser considerada a primeira forma de cura. Esta assimilação de conduta social foi fundamental ao desenvolvimento e à sobrevivência.

O espaço de tempo, cerca de 40.000 anos, no qual a nossa espécie está vivendo, foi suficiente para a transformação predatória da natureza, mas insuficiente para o homem compreender que ele é somente uma  espécie biológica como foram outras que desapareceram.

Os estudos dos fósseis neolíticos evidenciam preocupação pelo conforto físico e para aumentar o tempo de vida. Esses fatos teriam provocado a especialização de alguns membros do grupo, que se interessaram por esses problemas concretos: a arqueologia do curador.

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
Esta entrada foi publicada em ÉTICA MÉDICA-BIOÉTICA. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *