Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
O genial Rabelais, religioso e médico, escreveu Gargantua no século 16. Inúmeras associações foram construídas, nos séculos seguintes, em torno dos personagens, em especial, Gargantua e seu filho Pantagruel.
Não será muito difícil estabelecer mais uma relação: a semelhança entre o processo de desenvolvimento da medicina com a crônica pantagruelina. Em ambas, o fantástico e o imaginário, são mesclados nas ações das pessoas e os sonhos da vida eterna.
As relações médico-míticas transcenderam no tempo e chegaram a nós vivificadas tão intensamente que fica quase impossível dissociá-la do cotidiano das relações sociais.
A própria data de comemoração do dia do médico na atualidade, 18 de outubro, corresponde na mitologia grega o dia no qual o deus médico Asclépio, filho de Apolo, era celebrado na Grécia Antiga, há 2.500 anos. A morte de Asclépio, determinada por Zeus, divindade suprema da maioria dos povos indo-europeus, resultante da terceira geração divina da mitologia grega, por temer que a ordem natural do mundo fosse alternada pelos poderes de Asclépio, capaz de ressuscitar os mortos, fulminou-o com o raio dos Ciclopes, seres monstruosos com um só olho no meio da testa, representados por: Bronte, o trovão; Esteropes, o relâmpago; ,Arges o raio.
Apolo não tendo poderes suficientes para vingar-se de Zeus, matou os Ciclopes, demônios das tempestades, assassinos de Asclépio.
O homem atual pertence possui características exclusivas entre todas as quatro mil duzentas e trinta e sete espécies de mamíferos. É bípede, sem pelos e transforma a natureza ao sabor da própria vontade. Entretanto, conserva muitas particularidades fundamentais de todos os animais, mesmo quando está em uma estação orbital, tem que comer e urinar.
O homem se envaidece de possuir o maior cérebro entre todas as espécies animais vivas, pesando pouco mais de mil e quatrocentos gramas no adulto jovem. Essa massa cinzenta é uma estrutura especializada em receber e estocar informações, emitindo instruções baseadas nelas. Sem dúvida, as buscas da origem primeira e do destino final devem estar essas funções essenciais.
No intervalo de tempo entre esses dois pontos da consciência do tempo, o início e o fim da vida, o homem convive com a certeza da doença e da morte. Nas poucas dezenas de anos que o homem consegue viver, gasta grande parte dormindo e na procura incessante do conforto, da saúde e da justificativa mais coerentes da imaginável vida após a morte.
Depois de estabelecer, ao longo de milhares de anos, as relações saúde-doença e vida-morte, o homem acumulou historicamente conhecimentos objetivando o aumento do tempo de vida: o renascimento após a morte.
Essa posiçaõ na busca da imortalidade impossível é tão antiga quanto os registros paleoantropológicos que chegaram dos nossos ancestrais e se tornou responsável pelo aparecimento de uma especialização social que originou a procura sistematizada do conforto físico e da saúde, nessa vida e após a morte.
O processo que culminou com o aparecimento do homem moderno foi lento: Australopitecos, 2.500.000 anos; Homo habilis, 1.000.000 de anos; Homo erectus, 500.00 anos, o Homo sapiens neanderthalensis, 100.000 anos e Homo sapiens sapiens, 50.000 anos.
O cuidado com a saúde pode ter começado em qualquer ponto dessa escala geneológica e certamente se iniciou na procura do conforto físico. A retirada de espinhos e parasitas da pele em forma individual ou coletivamente com a ajuda de outros membros da comunidade pode ter sido a primeira forma de assistência médica prestada nos nossos ancestrais. Essa assimilação da conduta social foi fundamental para o desenvolvimento e sobrevivência da espécie.
Já é do conhecimento dos zoólogos que os nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, são capazes de se tratarem mutuamente lambendo pequenas feridas da pele, retirando parasitas e espinhos que penetram acidentalmente no corpo. Náo se trata de simples catação. É indício de verdadeira assistência médica, porque envolve atividade consciente e dirigida a um determinado ponto onde está ocorrendo desconforto físico.
A partir do aparecimento da consciência do tempo, reveladora da impotência frente a ocorrência das doenças que levavam à morte, multiplicaram-se as explicações míticas para explicar a morte.
O ponto de convergência desse caminho que moldou o pensamento criativo do homem foi o fantástico número de deuses e deusas com poderes de curar e ressuscitar os mortos registrados pela História.