Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
A grande mudança das práticas médicas, no Ocidente, ocorreu na consolidação da cultura grega ligada à cidade-estado pólis. Nesse conjunto, sobressaindo Hipócrates, na ilha de Cós, no século 4 a.C.
Nesse período, Políbio, o genro de Hipócrates, baseado nos quatro elementos de Empédocles (terra, fogo, ar, água), descreveu o primeiro processo teórico capaz de compreender os binômios saúde-doença fora dos domínios dos panteões das divindades protetoras e vingadoras: a teoria dos Quatro Humores, preconizando a saúde como resultado do equilibro de quatro humores – bilioso preto, bilioso amarelo, sanguíneo, fleumático:
“Quanto à doença que nós chamamos de sagrada (epilepsia), eis o que ela significa: ela não me parece nem mais divina, nem mais sagrada que as outras; ela tem a mesma natureza que as demais doenças e se origina das mesmas causas que cada uma delas. Os homens atribuíram-lhe uma natureza e uma origem divinas por causa da ignorância e do assombro que ela lhes inspira, pois em nada se assemelha às outras”.
Sem que até hoje saibamos, exatamente, o que representavam os humores, a idéia revolucionária dos médicos gregos da Escola Médica, na ilha de Cós, representados por Hipócrates, ficou conhecida como teoria dos Quatro Humores. Sob essa formidável concepção teórica, que dominou completamente as práticas da Medicina-oficial até o século 17, o corpo humano seria constituído de quatro humores: sangue, fleuma, bile amarela e bile preta.
O equilíbrio entre a quantidade e qualidade dos humores seria o responsável pela saúde. Ao contrário, os desequilíbrios entre eles provocaram as doenças. Como conseqüência imediata, esse sistema teórico permitiu aos médicos hipocráticos explicarem a origem das doenças e, pela primeira vez, iniciar o conflito de competência com a religião. A epilepsia, tida como doença de natureza divina, foi arrancada do domínio dos deuses.
Para tratar qualquer doença, bastaria forçar o equilíbrio dos humores por meio de atitudes induzidas para eliminar os líquidos e excreções corpóreos. Os métodos de tratamentos da Medicina-oficial passaram a utilizar a sangria e as substâncias provocadoras do vômito, da diurese, do suor e da diarréia.
Entre os muitos ensinamentos hipocráticos, sempre reforçando a determinação de aumentar a materialidade e diminuir a abstração para compreender a doença e o doente, é possível destacar como atuais os conceitos de diagnóstico, prognóstico e tratamento, distinção entre sinal e sintoma. Esses conceitos, apesar de terem sofrido aperfeiçoamento ao longo dos séculos, continuam válidos e utilizados, mesmo com toda a tecnologia da moderna Medicina.