Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
É possível que seja nas dimensões celulares e moleculares, aqui denominadas memórias-sócio-genéticas, dando forma à função e vice versa, que ocorre a maravilhosa capacidade humana de construir idéias para compreender o invisível, o imponderável, para, depois, desvendar e nominar, transformando-o em objeto mensurável.
Entre muitos exemplos, o bóson de Higgs salta aos olhos, porque teoricamente previsto, em 1964, pelos físicos, o britânico Peter Higgs e o belga François Englert, ambos receberam o Prêmio Nobel de 2013, foi confirmado no dia 14 de março de 2013, na histórica experiência no maior acelerador de partículas do mundo. Noticiada como a “partícula de Deus”, era o componente que faltava para legitimar o Modelo-Padrão da Física.
Esse conjunto reforça o entendimento dos discursos atados às linguagens e impregnados do saber acumulado historicamente. No contexto da multidisciplinaridade, as gramáticas são ideológicas, porque expressam certo tipo de posse do real que marcam profundamente nos corpos os prazeres e as dores sentidos e imaginados.
Por essas razões, a busca da verdade é processada no conflito entre o objetivo e o subjetivo (de certa forma, se confundindo com o sagrado e o profano), refletindo as múltiplas leituras das coisas numa determinada temporalidade. A variante do tempo se impõe por estar contida na essência que torna perceptível a forma e a função do ser vivente.
O objetivo primário da ação, a ideia seguida do movimento do corpo, herdada nas memórias-sócio-genéticas, por si mesmo, é o mais fundamental sentimento mantenedor da sobrevivência: a cooperação unindo todos para fugir da dor e buscar o prazer, aqui compreendido como as garantias da sede e da fome saciadas, abrigo contra o frio e o calor extremos, cooperação, territorialidade, sexualidade e descendência. Algo que poderia ser chamado de crítica da proteção pura. Não se trata, exclusivamente, do viver. O morrer pode representar, em certos instantes, o ato cooperativo dominante e, nesse caso, a morte representará a proteção pura.
O anseio para compreender as diferenças entre o constatado pelos sentidos (objetivo mensurável) e a ficção (imaginado), propiciou interdependência muito forte entre as partes na égide da proteção pura. Em certas etapas do processo, é impossível saber onde começa o objeto mensurável e termina o imaginado.
Não existiram partidas independentes. A realidade vivida pelos humanos com os outros animais, dividindo o meio ambiente comum, contribuiu para fortalecer profundas imitações simbólicas, presentes como marcas profundas do tempo passado, na consciência coletiva. Muitos inventos e expressões estéticas, no passado e no presente, projetados no aprimoramento da técnica gerando artefatos, como o maior acelerador de partículas, acabam sendo partilhado.
As determinantes das memórias-sócio-genéticas para reproduzir os elementos visíveis ou mensurar o invisível, tirando deles a utilidade para sustentar a proteçãopura, influenciaram as primeiras interações entre pensamento, ação e necessidade social.
O fato de os nossos ancestrais longínquos terem aprimorado as cópias do visível na natureza circundante, animais e coisas, nos abrigos das cavernas, há milhares de anos, representa a certeza da profunda coerência entre as formas e as funções nos corpos, representativos da arqueologia de todos os saberes acumulados.
Apesar de os estudos da anatomia e fisiologia terem desvendado aspectos importantes da forma e da função do cérebro relacionadas às linguagens, estamos longe, muito longe de compreender a maior parte das dúvidas. A principal barreira é a fantástica multiplicidade das formas, nos seres viventes, gerando funções semelhantes: homens e mulheres possuem áreas cerebrais semelhantes, relacionadas às linguagens, contudo jamais se expressam igualmente nas linguagens, fazendo com que um texto ou uma pintura jamais podem ser copiados impunemente.
Dessa forma, é possível pressupor teoricamente que o produto final das linguagens oral e escrita seja secundário aos vetores moduladores dos componentes extrínsecos (natureza, social e História) e dos intrínsecos (memórias-sócio-genéticos, geneticamente herdados) que estruturam a crítica da proteção, capaz de impelir os seres de todas as naturezas para fugir da dor e buscar o prazer.