PRATICAS DE CURAS ANCESTRAIS

Dr. HC. João Bosco Botelho

            Os registros arqueológicos mostram-se suficientes para estabelecer algumas relações concretas da ação curadora na pré-história.

            É provável que grande parte da atenção das comunidades pré-históricas permanecesse na busca da sobrevivência cotidiana e na explicação dos  fenômenos naturais. As relações vida-morte e saúde-doença deveriam estar entre elas, já que interferiam na segurança pessoal e coletiva. Esses fatos poderiam ter provocado a especialização de alguns membros.

            As ações para curar a dor e impedir a morte imediata, na pré-histórica, compreendem as ações dos ancestrais para aumentar os limites da vida e empurrar a inexorabilidade da morte, muitos milhares de anos antes da escrita.

Alguns fósseis neandertalenses, em torno de 30.000 anos, no Pleistoceno superior evidenciam traços de amputações dos membros.

            As análises desses registros fornecem indícios à compreensão de algumas ações curadoras do homem pré-histórico. Sem dúvida, os ancestrais sofreram de algumas doenças semelhantes as da atualidade. A tuberculose óssea na coluna vertebral, encontrada hoje no Brasil, está documentada no esqueleto do período Neolítico, em torno de 10.000.

            Ainda mais fascinante, o fêmur de Homo erectus, com mais de 200.000 anos, com tumor ósseo medindo quatro centímetros de diâmetro.

            A maior parte das lesões encontradas representa doenças de origem traumática, talvez secundárias aos acidentes de caça e disputas pessoais. As lesões traumáticas cranianas são as mais comuns. Em sítio arqueológico, próximo de Pequim, um grupo de onze indivíduos do grupo de Java, quatro crânios apresentaram perfurações traumáticas fatais. Em outra área de escavação, os restos mortais de uma família do Paleolítico Superior, composta de sete pessoas, o mais velho apresenta  fratura com depressão do temporal esquerdo, a mulher adulta  tem fratura parietal  esquerda e os outros crânios, pertencentes às crianças de diferentes idades, mostram traumatismos mortais na cabeça. No sítio mesolítico de Ofnet, na Áustria, foram desenterrados trinta e seis crânios, na maioria de crianças, todos arrancados dos corpos e, na maioria, com esmagamento dos ossos parietais provocados por objeto cortante. Outros esqueletos foram estudados com pontas de sílex encravadas em diferentes ossos.

            Os moradores das cavernas, muito úmidas, nos longos períodos invernais, com mais de cem mil anos, sofreram os processos degenerativos causados pela artrite deformadora, conhecida como gota das cavernas, e doenças das gengivas, cáries e raquitismo. As bactérias fossilizadas e fungos também foram identificados: o pólen de Nenúfar, designação de diversas plantas da família das Ninfeáceas, capazes de determinar reação alérgica no homem atual, existe desde o Pleistoceno médio, isto é, há mais de 100.000 anos.

            Um dos achados acidentais mais extraordinários foi o homem batizado de Ötzi: o corpo congelado, ao sul da fronteira austríaco-italiana. Com pouco menos de 1,60 metros e 46 anos de idade, velho para as pessoas da época  e o estudo do DNA evidenciou que era originário da Europa central. O cadáver mostrava várias lesões traumáticas com fraturas na terceira e quarta e no braço esquerdo quebrado. Ötzi estava numa posição estranha, caído de bruços sobre o rochedo, o braço esquerdo dobrado para o lado direito, e a mão direita presa embaixo de uma pedra grande. Seus objetos e roupas, também inteira ou parcialmente congelados, estavam espalhados à sua volta, alguns a vários metros de distância. Datações de carbono do material vegetal junto ao corpo e das amostras da pele e dos ossos, realizadas em três laboratórios diferentes, confirmam que ele viveu há cerca de 5.300 anos.

            Dessa forma, não há dúvida de que os nossos ancestrais longínquos estabeleceram práticas indicando haver especialistas cuidando da saúde dos ouros.

 

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
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