Dr. HC. João Bosco Botelho
Alguns acontecimentos marcaram o Renascimento como um novo tempo na Europa, interferindo diretamente nas práticas médicas oriundas do medievo:
– Publicação mecanizada dos livros;
– Ruptura com as interdições eclesiásticas: dissecção pública de corpos humanos;
– Teatros de anatomia em vários reinos europeus;
– Publicação do livro “De humani corporis fabrica” de André Vesálio;
– Publicação do livro “A cirurgia” de Ambroise Paré;
– Publicação do livro “De viscerum structura”, de Marcelo Malpighi, descrevendo o mundo somente visível sob as lentes de aumento, iniciando o pensamento micrológico, que pode ser considerado um dos mais importantes avanço da Medicina: identificação das causas das doenças numa dimensão invisível aos olhos desarmados.
Entre outras singularidades do Renascimento, se destaca a vontade coletiva de retomar os ideários políticos da Grécia platônico-aristotélica. Desse modo, inicia-se outra fase da ética médica sob menor influência dos dogmas do cristianismo medieval:
– Importante e decisivo procura da materialidade da doença;
– Retomada das diretrizes teóricas da Medicina greco-romana;
– Diminuição do valor atribuído aos santuários curadores;
– Aumento do número de médicos oriundos das novas universidades;
– Maior participação de médicos laicos no processo formador da Medicina;
– Livros escritos em latim;
– Presença de geniais pintores e escultores, como Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt, entre outros, detalhando nas obras de artes o corpo desnudo;
– Maior acesso aos livros produzidos no período greco-romano;
– Maior liberdade para os estudos dos corpos mortos;
– Substituição das confrarias, sob a guarda dos respectivos santos protetores, como a dos cirurgiões sob a proteção de São Cosme e São Damião, pelos Colégios e Academias laicos, como o Royal College of Surgeons, em Londres, e a Sorbonne, em Paris;
– Cirurgia incorporada à Medicina;
– Recuo da compreensão da doença como mal, causada como castigo.
Os novos saberes proporcionaram novos caminhos à Medicina, mais liberta dos dogmas medievais, ampliando significativamente os domínios da compreensão da saúde, sedimentando a busca da materialidade da doença, no século 18, sob o estandarte da microscópio.
De modo geral, a ética médica retomou os preceitos hipocráticos, reafirmado pelas Escolas de Medicina de Montpelier e Salermo, ao tempo em que ratificou o projeto teórico que avançaria até hoje: a busca da materialidade da doença nas dimensões da matéria viva invisível aos olhos, clareando a identificação das doenças infecciosas temidas, a hanseníase e a peste negra, responsáveis pela morte de dois terços da população europeia.
Talvez um dos mais importantes representantes dessa fase, interligando a Medicina e o Direito, tenha sido Maquiavel, nas obras “Discurso” e “O Príncipe”, em ambos discursando com clara resistência ao mundo espiritual da escatologia cristã, oriundo do Direito canônico, e valorizando a vida vivida.