Dr. HC. João Bosco Botelho
O conhecimento historicamente acumulado está repleto de dados que confirmam a existência, desde tempos imemoriais, dos curadores de todos os matizes empurrando os limites da cura nos espaços sagrado e profano das relações sociais.
A maioria dos trabalhos está colocada na polaridade que favorece o maniqueísmo: transcreve em análise elogiosa, quando os atores estão aderidos ao poder dominante ou, simplesmente, desprezam-nos quando representam a resistência.
O papel social desses curadores está situado em contexto mais amplo. É necessário estendê-los sob o enfoque dinâmico da luta travada na ocupação dos espaços sociais e políticos, para que possamos compreendê-los como agentes de coesão que atuem na ordem e na desordem das sociedades.
A sedução exercida pelo poder dos curadores, reconhecidos como os poderes do dom, tem sido constante, ao menos, desde os primeiros registros. Esses homens, mulheres e divindades com dotes especiais mostram-se capazes de curar certas doenças e ressuscitar alguns mortos. A partir dessas características, eles também têm sido competentes para pretender moldar a ordem dos povos.
A nominação dos curadores, de acordo com o registro social, é variável, mas sem modificar a essência dos sentimentos de gratidão da dádiva recebida: a cura. Esses nomes, que pertencem à linguagem superficial, têm pouca importância e só representam a atualização temporal às exigências coletivas.
Com essa pontuação de poder mágico, os curadores com dom possuem força suficiente, em determinadas épocas, para destacar-se como líder mensageiro do novo tempo libertador das agruras.
A Bíblia, uma das maiores referências da luta humana para vencer os empecilhos à sobrevivência, está recheada de interpretações do poder do curador expressando dom excepcional.
Para a população sofrida e amargurada pelo gosto cruel do alimento insuficiente, sempre representada pela maioria dos povos na história da humanidade, a importância do nome oferecido à imagem física desses curadores é inferior à robustez dos mitos. A identificação nominal completa-se de acordo com a história heroica passada e sedimenta-se, nas mentalidades, por meio dos registros sociais.
Nunca existiram grupos étnicos com cultura monolítica. A complexidade dos vetores, atuando sobre o social e o genético, impossibilita a homogeneidade e o apagar das crenças arcaicas. O fundamental para moldar a coesão é a similitude entre a mensagem do chamamento e o mecanismo coletivo de fuga das agruras. O aconchego protetor é articulado e toma forma pela soma das partes individuais de cada sujeito, identificadas pelo discurso, forçando a mensagem da promessa do conforto.
Não só o povo faminto e desabrigado tem a fantástica disposição para aceitar, sem titubear, o apelo de quem consegue elaborar, claro e rápido, após perceber a direção do confronto, uma proposta salvífica. Todos estão envoltos na mesma malha.
A sedução é engendrada nos meandros ambíguos do sagrado com o profano. A base é montada na possibilidade, trazida pela linguagem, para minorar a dor da fome e do frio, afrouxar os rigores da ordem sobre a sexualidade, reforçar a posse da terra e a experiência religiosa com o sagrado.
A incrível mistura quantitativa e qualitativa dos vetores oriundos do curador, acreditada na mensagem anunciando o fim da dor e a chegada do prazer, se amalgamou e aderiu, definitivamente, ao genoma, marcando um comportamento