Dr. HC. João Bosco Botelho
As propostas dos curadores festejados repetem características comuns – saúde, pouca ameaça à vida e assegurar a posse da terra como garantia do alimento e do conforto – e sempre encontraram ressonância nas linguagens e culturas. Essa mensagem, mostrando o caminho do bem-estar, nos mundos visível e invisível, é a mais competente das linguagens. Tem sido instrumentalizada pelos gurus de todos os tempos. A impressionante resposta, capaz de ativar a cooperação simultânea entre milhões de pessoas ao mesmo tempo, indica o quanto é forte essa memória genética quando a dor chega ao limite permitido pelo corpo.
É notória a fé coletiva na existência de pessoas com capacidade diferenciada, mágica, frente às outras. O dom de curar doenças e infortúnios, como dádiva das divindades, está ajustado para unir a posse da terra à guarda do corpo, garantido a saúde e a longevidade, construindo a ordem sagrada dominante.
Essa ordem sagrada também emprega o dom, para explicar e abrigar a imagem das divindades (espírito, alma, duplo etéreo, etc.) no espaço transcendente (céu, éden, paraíso, etc.). Do outro lado, a ordem secular, assegura que as pessoas permaneçam submissas ao território (casa, bairro, cidade, município, país e a área por onde se dá o fluxo de mercadorias no mercado interno e externo).
Os padrões biológicos determinados pela herança genética se ajustam à malha social receptora para que os que têm o dom de curar pessoas ou sociedades (líder, messias, benzedor, pajé, padre, médico) se mantenham em forte destaque: “Eclo 38,1-2: Rende ao médico as honras que lhe são devidas, por causa de seus serviços, porque o Senhor o criou. Pois é do Altíssimo que vem a cura, como um presente do rei. A ciência do médico o faz trazer a fronte erguida, ele é admirado pelos grandes”.
O dom está, frequentemente, abrigado no melhor saber empírico, isto é, naquele historicamente acumulado pelo grupo social. Só obtém resposta na crença coletiva, quando participa da solução dos nos infortúnios. Para o privilegiado curador assumir um lugar de destaque no território, é necessário, antes de mais nada, contribuir para resolver os empecilhos que incomodam o grupo.
Desse modo, o dom está presente em todos os homens e mulheres. Como outras manifestações biológicas, é diverso na quantidade e na qualidade. É uma característica variável, oriunda do impacto das heranças genéticas com as vicissitudes do viver gregário. Responde pela capacidade individual para superar, de modos desiguais, as agruras na luta pelo alimento e pelo abrigo. É o que orienta, a nível pessoal e coletivo, a direção das fugas frente às dores de todas as naturezas. Caso inverso, não existiria a cooperação tão bem ajustada, quando a vida estivesse ameaçada.
A dúvida maior dessa competência do dom, nos curadores festejados, é saber se é capaz de mudar o curso da vida e, efetivamente, curar de modo mágico as doenças e empurrar os limites da morte. Até agora, não há notícia de qualquer tipo de reprodução e as teorias não foram competentes para desvendar as dúvidas, mas não é possível negar que as pessoas, nos quatros cantos do mundo, acreditam nesses curadores com dons especiais e poderosos. Dessa forma, negá-los é tolice.
Para transpor os estorvos do desconhecido nas menores dimensões da matéria viva e organizada, nos níveis moleculares, atômico e subatômico, ainda não é possível apreender o dom como parte da lógica da vida, mas é viável associá-los aos fenômenos paranormais. A outra alternativa é continuar a percebê-lo no sentido religioso, da fé: “Tg 1, 17: Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto e descem do Pai das luzes, no qual não há mudança nem sombra de variação”.
A experiência religiosa consagrando homens, mulheres e coisas e a profana, dessagrando, funcionam como marcos diferenciais de separação entre o permitido para alguns e o proibido para os outros.