Dr. HC. João Bosco Botelho
Ao longo da história das ideias e crenças religiosas, é difícil quantificar as pessoas aceitas como santidades.
Para os suplicantes crentes de todas as religiões, os homens e as mulheres santificados, como imagens espelhadas dos deuses protetores, como curadores mediam os contendores, nos conflitos das ideias e dos corpos, desde os primeiros registros, mantém pelo menos uma estrutura partilhada: a guarda impositiva do respectivo espaço sagrado.
A facilidade do poder dominador para caminhar na malha social é auxiliada pela marca indissolúvel do repetir metafórico curador das santidades. Por esta razão, a ordem não tem empecilho para trabalhar, tanto no espaço sagrado quanto no profano, utilizando os poderes sobre a certeza da existência de homens e mulheres, vivos e mortos, diversos nos deveres e direitos.
Contudo, o dom entrelaçado ao sagrado e presente nos saberes historicamente acumulados, é muito, muito mais elaborado. O reconhecimento das pessoas santificadas está atado às certezas de proteção da morte antecipada e da dor fora de controle. Integrados ao passado mítico, as metanarrativas contribuíram para a fixação do centro sagrado, compondo a estrutura cosmogônica dos mitos da criação, reunindo todos os dons para prolongar a vida.
A cultura judaica admite o sinal da deidade: o milagre. Assumiu lugar de magna importância, porque é a prova da materialização do dom, isto é, do mágico, a fuga do conhecido, do natural, do esperado. Esse é o motivo de o milagre receber a aclamação e o júbilo.
De modo geral, nos livros religiosos ocidentais e orientais, o milagre aparece como sinal da divindade que encanta pessoal e coletivamente. Na Bíblia, está ligado à fé monoteísta, em contraposição e desprezo ao politeísmo.
A estrutura da fé, para a liturgia judaica, não é o simples milagre, mas sim a criação como a existência concreta e a estrutura da moral e da ética. O mundo visível, mensurável, marcando a experiência empírica, e o invisível, como espaço definido pela religião, estão presentes na teologia dogmática como entidades acima de todas as leis da natureza.
A divindade única e verdadeira, Iahweh, estabeleceu o ritmo das estações, dos dias e das noites, para orientar a semeadura, criou e determinou o curso eterno dos astros, a dimensão e o íntimo de todas as coisas, as leis do céu e o poder da descendência. Entretanto, os frutos desses saberes estão vinculados à obediência. Em consequência dessa força sem medidas, a distância entre as pessoas e o mundo sagrado tornou-se inalcançável. É atenuada somente aos homens especiais, os que possuem o dom ou carisma. Os carismáticos são os escolhidos para materializar os sinais da deidade e mostrar o caminho da salvação. A cura do corpo doente, pela imposição das mãos, figura entre um dos mais significativo.
A herança do judaísmo observa duas tendências na leitura dos milagres. A primeira admite a Bíblia plena deles, devendo constituir fonte de reflexão à pequenez do homem. A segunda está relacionada com as interpretações místicas, contidas no Zohar (Livro dos Esplendores, escrito em torno do século XII, na Espanha). Nesta última, os rabinos não aceitaram a necessidade do sinal, porque existe harmonia absoluta entre o Criador e a obra.
Os primeiros padres da cristandade fizeram outra fantástica reelaboração teórica dos milagres do AT. Os milagres de Cristo, em particular os das curas, descritos pelos quatro evangelistas, assumiram grande importância na apologética da nova religião.
O tomismo entendeu a importância do milagre, na fé, como fato extraordinário produzido por Deus. Os anjos bons e os santos poderiam ser agentes na promoção dos acontecimentos situados à margem das leis naturais. Por outro lado, distinguiu o milagre do prodígio. Este último, simples simulacro, não era fruto do poder divino.
Fundando o juízo de valor, Thomás de Aquino dividiu os milagres em absolutos ou de primeira ordem e relativos ou de segunda ordem. Só reconheceu os primeiros como verdadeiros porque superam, em si mesmos, todas as ideias da natureza criada. Só Deus poderia assumir a autoria. Os relativos seriam determinados mediante as forças do universo sensível, ligadas ao diabo.
O milagre apologético, sempre de primeira ordem, é aquele que serve de louvor. Deve ser perceptível e confirmar a origem divina da revelação. Tem particular interesse o seu aspecto físico, porque é observável nos corpos. Logo, a cura de uma doença, considerada fatal e irreversível, pode ser entendida como milagrosa, um sinal de Deus.