Dr. HC. João Bosco Botelho
A abordagem tomista foi duramente criticada por diversos filósofos. Voltaire, no Dicionário Filosófico, tomou a argumentação dos físicos para contestar e sustentou ser falso pensar no milagre como transgressão ás leis matemáticas, já que são coerentes e imutáveis.
Espinoza também recusou a veracidade do milagre. Apoiado na premissa de que era impossível a intervenção extraordinária para mudar o curso da criação transcendente, reafirmou o engano dessa prática milagrosa.
O golpe mais forte recebido pela teorização cristã do sinal foi sustentado pelo agnosticismo kantiano, firmado contra o determinismo absoluto. Seria incognoscível porque é muito difícil distinguir as formas variáveis e extraordinárias de agir da natureza. De acordo com Kant, não existem leis fixas e constantes, porque o pressuposto de estável provém, exclusivamente, do nosso aspecto subjetivo para conhecê-las. A religião não seria mais nada do que o conjunto das obrigações vistas como determinismo para facilitar a ordem de um poder transcendente.
Essa resistência, refutando a natureza divina do dom, contribuiu para o milagre perder o valor ontológico e argumento apologético, conservando o exclusivo aspecto simbólico da fé.
Com o intuito de reforçar o conjunto do debate, cabe lembrar a imutabilidade das leis matemáticas, regendo a essência da coisa visível, mensurável, expressando o modo de ser. Assim, em nenhuma hipótese, nem no milagre, o triângulo poderá deixar de ter os três ângulos internos.
Ao considerar-se a necessidade hipotética das leis para reger as relações físicas entre as coisas, hoje compreendidas nas quatro forças (gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte), as ações situadas fora delas estariam, obrigatoriamente, contidas em outra manifestação, desconhecida, da natureza invisível.
Assim, se o fogo não queimar, o homem morto voltar à vida ou o enfermo incurável recuperar a saúde numa fração de tempo, como mágica, tais fatos podem estar somente evidenciando os aspectos não desvendados da matéria, em nível imperceptível aos sentidos.
No Ocidente cristão medieval, os santuários curadores e proféticos de Compostela e Jerusalém viveram vários séculos de glória, recebendo peregrinos de toda a cristandade. Nos últimos anos, os de Fátima e de Lourdes são muito procurados. Mais recentemente surgiu o de Medjugorje, na Iugoslávia.
O de Fátima notabilizou-se pelas curas. Milhares delas foram anunciadas pela fé dos fiéis. Como o número excedeu os limites do bom senso, foi criada, em 1882, uma comissão de médicos e religiosos, para analisar a veracidade dos sinais, ocorridos em Lourdes.
Apesar do entusiasmo dos peregrinos, a Igreja Católica anunciou, em 1990, o 65º milagre. Trata-se de uma jovem siciliana de 25 anos, portadora de uma forma incurável de câncer ósseo no joelho. Em 1976, a moça permaneceu uma semana próximo ao santuário e, um ano depois, houve o completo desaparecimento da lesão.
A crença nos poderes extraordinários, oriundos da aparição da Virgem, em Medjugorje, pequena cidade no interior da Iugoslávia, começou em 1981. Um grupo de adolescentes, quatro moças e dois rapazes, relataram ter visto uma mulher bonita que afirmava ser a Virgem Maria. O padre Slavko Barbarich, da igreja local, não tem dúvida da autenticidade das mensagens.
Os três sítios, compreendidos como sagrados pelos cristãos, carregam um formidável fascínio coletivo, estimulam a fé e facilitam a catequese nos valores da Igreja Católica.
No Brasil, nos estratos sociais privilegiados, de tradição cristã, são mais enfocadas as procuras de Lourdes, Fátima e Medjugorje. Porém existem outros locais de súplicas, como a basílica de Aparecida, a estátua do Padre Cícero, os centros de umbanda, as igrejas protestantes e grupos kardecistas. Todos recebem incontáveis crentes, agregados aos mesmos componentes de fé e religiosidade.
Nos últimos anos, no Brasil, os protestantes converteram milhões de católicos. Os ritos festivos desse protestantismo carismático, ao utilizarem o milagre como prática de cura coletiva, fortaleceram a proteção do fracasso social, da dor e da morte, ao aproximarem o suplicante de Deus sem intermediários. Atomizados em milhares e templos, conseguiram obter maior sedução em todos os segmentos sociais.
A perda do monopólio do milagre, como prática terapêutica institucionalizada, parece ter preocupado as autoridades eclesiásticas. A estratégia do enfrentamento foi baseada no retorno enfático do sagrado, utilizando os ritos carismáticos católicos.
A análise aponta a evidência histórica de que o milagre excede a religião organizada. A fé que o forma e o guarda, ajusta a sedução na eficiência simbólica das mensagens protetoras, envolvendo palavras, gestos e objetos tornados sagrados.