Dr. HC. João Bosco Botelho
Em artigo publicado, no The New England Journal of Medicine, os pesquisadores da Universidade Cornegie Mellonn, nos EUA, encontram evidências, reproduzidas em laboratório, de que o estado emocional pode mudar a homeostase. O estudo mostrou ser necessário mais do que ter o vírus da gripe para adquirir a enfermidade. Realizado com quatrocentas e vinte homens e mulheres, não deixou nenhuma dúvida: o estresse determina duas vezes mais chances de desenvolver algumas doenças. A distância entre a causa (ter o vírus ou a bactéria) e o efeito (a doença) está enredada na complexa malha, pouco entendida, do sistema imunológico.
A maior parte das funções que guardam as defesas inatas e adquiridas permanece ignorada. As explanações científicas estão atreladas aos objetivos do pesquisador. Para manter a presumível coerência científica, o conjunto teórico aceito como verdadeiro é usado de acordo com as metas pretendidas. Como o pavor da dor continua forte quanto os mecanismos subjetivos, criados pela ficção, para reduzi-lo, o poder que domina as pesquisas se empenha para atenuar esse medo do desconforto pessoal e coletivo. A transformação tecnológica e a linguagem superficial adaptam-se, continuamente, a esse querer coletivo: multiplicar o prazer, afastar a dor, prolongar os sentidos inatos e adiar a morte. De modo análogo, continua valendo a herança, para preservar o corpo sem mácula, à imagem e semelhança do da divindade imaginada.
A vontade de desvendar essa complexa malha – doença e doente – fortaleceu a medicina e o ato médico interpondo a máquina entre o médico e o doente: raio-X, tomografia computadorizada, ressonância magnética e ultrassonografia aumentaram a visão e o tato, para auscultar o escondido atrás da pele.
Sob essa construção, a proposta do sociólogo Talcott Parsons para consolidar a autoridade do médico, na sociedade industrial tornou-se dominante. O médico passou a ser sinônimo de proteção pura, evitando a dor e adiando a morte, no laicizado. Por outro lado, contribuiu, como nunca, para o descrédito dos saberes empíricos, substituindo-os pelos das elites, proprietárias da tecnologia médico-hospitalar.
A estratégia de Parsons, para valorizar o saber universitário, foi reproduzida no Ocidente capitalista, pela metamorfose coerente nas mentalidades: o corpo só poderia ser alterado na forma original médico ver o corpo sem maculá-lo. Ao mesmo tempo, diluem a responsabilidade da vida e da morte. A máquina assumiu a fatia majoritária do poder médico.
Mesmo contestados pelas observações corriqueiras, muitos continuam resistindo à ideia da estreita dependência entre o subjetivo-emocional e o objetivo-biológico. Nas sessões clínicas, nas quais discutem-se casos médicos de maior complexidade, estão cada vez mais atados à exclusividade das máquinas, ignorando-se a ligação entre a causa e o efeito: se o paciente tem tuberculose, é lógico encontrar o bacilo de Koch, sem explicar por que os bacilos, iguais na forma, em algumas pessoas causa a doença no pulmão, nas outras, nos ossos na pele ou no intestino.
Durante uma inesquecível aula prática, há vinte anos, na enfermaria pediátrica, estávamos examinando a criança com diagnóstico de leucemia, quando ela segurou, angustiada, com as mãos pálidas, um pequeno crucifixo metálico e pediu, em lágrimas, o fim da dor. Estava muito assustada com tudo. Sua aparência descarnada inspirava, igualmente, carinho e compaixão. Com a boca tomada pelas feridas e sem um único fio de cabelo, consequências da quimioterapia, a face expressava terror. Todos sabiam que ela não viveria muito tempo. Mesmo assim, o tratamento agressivo era aceito como verdade acabada. Pouco significava o terrível pânico da criança porque a ciência respaldava as atitudes.
Um dos alunos, impressionado com o desespero estampado nos olhos escavados da pequena doente perguntou, sem coragem, com receio de estar falando grande tolice: “Professor, por que tanto sofrimento?” Nos segundos seguintes, todos sentiram embaraço indescritível e não houve resposta. Hoje, é possível interpretar aquele silêncio como a alternativa para manter intocável o saber reconhecido. Era a posição cientificamente correta!
Nesse tipo de aprendizagem, não existe a pergunta: os temores e as alegras do doente podem interferir no curso da cura?
A vivência cotidiana profissional demonstra que a Medicina, enquanto especialidade social, fora das doenças traumáticas, continua muito longe de compreender por que e como as mudanças ocorrem no nível da molécula e, muito menos, no interior do átomo. É mais grave nos países subdesenvolvidos, onde só conseguiram alcançar, ainda com dificuldade, a morfologia celular. Como a expressão morfológica da matéria viva, tanto na microscopia quanto na macroscopia é única e jamais se repete, podemos garantir o quanto é falho esse julgar aceito como indiscutível.
Infelizmente, ainda estamos muito longe de entender a saúde e a doença.