Prof. Dr. HC João Bosco Botelho
As fraquezas da ciência avolumando as dúvidas nas dimensões extremas da matéria viva, oferece o suporte aos políticos, atraídos aos crentes e suplicantes das ideias e crenças religiosas, para reforçar a existência de um poder transcendente, por meio de um “salvador, capaz de acabar com a dor insuportável e evitar o confronto social.
Quando predomina a dissensão, na maior parte da sociedade, provocando sofrimento, e na falta de resposta eficaz por parte do poder dominante, não há tempo para elaborações demoradas. Os discursos podem se transformar em dogmas. Os questionadores mais ousados, os que duvidam da eficiência do “salvador”, são interpretados como inimigos da nova ordem, semelhante aos heréticos.
Em algumas sociedades onde as há perversa distribuição de renda, com enormes bolsões de pobreza extrema, o exercício do poder político faz o sagrado confundir-se ao profano. Algumas vezes, é impossível saber onde começa um e termina o outro. Nessa hora, o político e o cientista conjuram o conhecimento, falam como representantes das divindades e encarnam os poderes sagrados dos curadores e adivinhos.
É possível teorizar em torno da dor insuportável coletiva determinando confronto social por que as dúvidas do desconhecimento de como os mecanismos extrínsecos (o corpo interagindo com o meio ambiente) e os intrínsecos (a informação contida no aparelho genético atuando no corpo) articulam a ficção para entender o ser na ambiguidade do sagrado com o profano, tingindo as relações sociais. A escolha é apaixonada porque depende de circunstâncias estritamente pessoais.
Na singular percepção da vida com dor suportável, como fato biológico moderador do equilíbrio pessoal e coletivo, nem o sagrado nem o profano atendem à crítica mobilizadora para mudar: existe o chamamento epigenético para manter a vida! Poucos se aventuram ultrapassar os limites da segurança impostos pelo do poder dominador.
No outro extremo, nas sociedades onde predomina a dor insuportável na maior parte da população, os políticos travestidos de curadores e adivinhos de todos os matizes, confiam na coerência histórica das respostas coletivas para fugir da dor, porque têm a certeza da incapacidade dos dois pensamentos, o mágico e o científico, para decifrar com clareza as mensagens corporais. E assim, sem cerimônia, misturando o sagrado ao profano, sentem-se seguros de não serem contestados, anunciam “o salvador” com poderes para acabar com o sofrimento.
A paixão do marxismo pós-Marx, ao enveredar pela mesma trilha dogmática, contribuiu para agravar a crise de subjetividade que acelerou a derrubada do Muro de Berlim. Nesse sentido, são significativos os acontecimentos que seguiram o desmoronamento da ordem socialista no Leste da Europa como um castelo de cartas mal colocadas. Aqueles povos que fugiram do socialismo-comunismo demonstraram que a insatisfação com os limites da social e política não é resolvida só pela oferta do trabalho, da moradia e da comida. O impulso atávico para buscar o conforto está além, muito além, da fome contida. Os anseios dos homens e das mulheres para reforçar o conforto – fugir da dor insuportável – é um dos fatores que provocam o movimento social. Quando as ideias são desarmônicas com a vontade coletiva, nem mesmo os mais brutais meios de repressão conseguem mantê-las acreditadas.
O sofrimento atiça a solidariedade, como ocorre nas nas convulsões sociais, quando a dor insuportável se atrela à vida ameaçada e podem servir de apoio as crenças religiosas ao aceitarem alianças políticas como chamariz de conversão e, simultaneamente, ao voto nas disputas eleitorais.
Nas sociedades onde existe a melhoria dos modelos de moradia, educação, trabalho e lazer, está mais clara a laicização das construções políticas, fazendo com que o profano prevaleça sobre o sagrado, impedindo o aparecimento do “salvador” com poderes sagrados para acabar com a dor insuportável, e, como consequência, o confronto social.