EVELINE MENEZES CAÇOTE BARBOSA
OS BANZEIROS DA VIDA
Para aqueles que resistiram ao primeiro período da graduação, as aulas no segundo período iniciaram com a disciplina de Epistemologia, com o professor Dr. Melo. Ele era extraordinário em sua fala, conciliava o utópico com o pragmático sem dificuldades, dono de uma retórica impecável, as aulas eram cada dia mais compreensíveis e interessantes. Os alunos estavam sempre presentes e participativos. A voz imponente e entusiasmada do professor Melo, aguçava o interesse pelas reflexões e conhecimento. As experiências por ele apresentadas nas aulas eram fascinantes, vivências com indígenas, ribeirinhos, caboclos das regiões longínquas do Amazonas. Saberes científicos somam-se durantes as aulas. O professor Melo descreveu que em uma das suas viagens a trabalho, o descolamento havia durado 10 dias até chegar em uma aldeia indígena, percorreu trechos de avião, barco e rabeta, sem esquecer das horas de caminhada. As comunidades ribeirinhas que visitara também necessitavam de vários dias em barcos, o que proporcionavam tempo suficiente para refletir sobre sua própria vida, e chegar à conclusão que sentia um “vazio”, que poderia ser preenchido por alguém que lhe interessasse em uma das suas viagens. – Sempre estarei aberto para novas oportunidades. Repetia esperançosamente, após lembrar-se dos vários relacionamentos superficiais que tivera. Ao passarem os meses de convivência em sala de aula, percebeu-se que o homem moreno e alto, estava se esforçando para transmitir aquela energia contagiante do início do semestre. Mais magro, o professor em algumas aulas as ministrava sentado e com o olhar perdido.
Alguns alunos da sala de aula comentavam pela Universidade que ele estava se separando da esposa, ou do companheiro, não se sabia ao certo pois diziam que ele era bissexual. Falavam também os nomes de possíveis doenças. – Até o final do semestre vamos ver o que sobra de nós e do professor. Um dos alunos falou ironizando a situação. As aulas foram perdendo o encantamento, e em alguns momentos, o professor já não sabia o que era realmente para ser discutido com os alunos. Até que em uma das aulas o professor Melo disse, com uma voz melancólica: – Vou dar um conselho para vocês, jovens! Façam o que o tiverem que fazer, mas façam com segurança! Os alunos se entreolharam rapidamente, mas não conseguiram decifrar as entrelinhas do monólogo. O professor fez uma pausa longa e o silêncio incômodo ocupou a sala, após engolir a saliva para continuar seu discurso, rompeu com uma fala entristecida e embargada por um choro quase incontido: – Se eu tivesse pensando melhor, nada disso teria acontecido! A emoção se manifestou em lágrimas que começaram a descer incontrolavelmente pelo rosto, a ponto do professor soluçar sem controle. Uma aluna também começou a chorar, mesmo sem compreender o que estava acontecendo, outra saiu da sala e voltou com água e lenços de papel, e ofereceu ao professor que pegou tudo com as mãos trêmulas. Os demais alunos estavam parados, surpresos com a conjuntura que se apresentava. Ninguém ousava interromper o desabafo do professor. Em um esforço de contornar a cena, o professor Melo parou o choro, engoliu a saliva novamente e disse: – Nos interiores do Amazonas eu me arrisquei muito, e agora estou pagando o preço, tudo sem proteção, como se “o mal” um dia não fosse me encontrar. – Me relacionei com muitas pessoas, sem conhecê-las, sem nenhuma proteção. Que imprudência! Dizia o professor, com a cabeça baixa. Em seguida, ainda sentado, a aula continuou como se nada tivesse acontecido, porém as palavras estavam vazias, com a voz tímida do professor falando algo que não se conseguia entender. Os alunos ainda atônitos pelo presenciado, continuaram em silêncio.
Ao terminar a aula, o professor Melo falava enquanto guardava seu computador. – Meus caros alunos, não façam como eu, quando jovem era audacioso e inconsequente. O professor saiu da sala com os passos apressados. As especulações sobre o que estava acontecendo com o professor continuavam até a aula seguinte. A medida que os alunos chegavam, a notícia do que havia ocorrido com o professor era contada. – Gente! Atenção! O professor dr. Melo está internado na UTI do Hospital Tropical. Não sabemos o que ele tem, e hoje estamos dispensados. Disse polidamente o representante da turma. Porém, os alunos não foram embora e tentaram elucidar a doença do professor. – Como assim? AIDS! As vozes assustadas repetiam a frase. As alunas lembraram como o professor Melo aparentava estar debilitado fisicamente, fraco, magro, com a fala triste nas últimas aulas, um olhar disperso e pensativo. Foi proposto uma visita ao professor quando ele estivesse melhor, o que rapidamente foi aceito pela turma. Após alguns dias se passarem, veio à informação da administração da Universidade sobre o falecimento do professor Melo na UTI do Hospital Tropical. Ele era HIV positivo há pelo menos 8 anos, após descobrir que estava com tuberculose, descobriu também que estava com HIV. A turma ainda reunida, decidiram homenagear o professor dr. Melo, então foi feito um discurso breve e emocionado pelo representante, que repetiu uma das frases do professor: – Façam o que o tiverem que fazer, mas façam com segurança! E finalizou: – De quem é a culpa pelas mortes causadas pelas trágicas doenças que assolam indiscriminadamente a Região Amazônica?