JEFFERSON DA SILVA GONÇALVES
As doenças tropicais são doenças infecciosas de difícil controle e prevenção que ocorrem nas regiões tropicais e raramente subtropicais. A malária é uma destas doenças e uma cidade na região sul do Amazonas não se exime deste mal. Com exceção de Apuí, todos os municípios do Amazonas são banhados por rios e quem banha Humaitá é o Rio Madeira, que possui vastas histórias de transmissão da malária. Nesta linda e pacata cidade mora o seu Guerreiro, homem trabalhador e muito honrado, viúvo duas vezes, cuidou de todos os filhos com muita dificuldade. Para dar conta da difícil tarefa sempre trabalhou na zona rural fazendo frete às comunidades riberinhas que pertencem ao município onde mora. Seus filhos o alertavam quanto ao perigo de contrair doenças tropicais nestes lugarejos que costumava ir. Mas por conta da responsabilidade não desanimava. Certa ocasião foi fazer uma entrega num lugar chamado Lago do Uruapiara, famoso por promover muitas festas. Aproveitou que já estava por lá e foi curtir um desses eventos e constatou que era uma vibe bombadíssima. Essas festas atraíam milhares de pessoas de Humaitá e de Manicoré, um município próximo. Mas o lugar tinha um estigma: ninguém saía de lá sozinho, levava sempre um companheiro inseparável, tão íntimo que as vezes até permanecia dormindo no próprio fígado do festeiro. Após essa viagem, a vida seguia seu curso, quando após uns quinze dias o seu Guerreiro começou a sentir febre alta, calafrios, dor de cabeça e sudorese. A filha Dandreia o alertou que poderia ser malária, mas ele nem se importou. Ela descobriu que alguns moradores da Vila Cristolândia, mesmo sendo informados da gratuidade do tratamento da malária, não acreditavam na necessidade de tratamento convencional e por isso usavam de forma empírica o chá de quina. Não sabiam a quantidade, doses, dias de tratamento, mas era usado por muitos. Ela então fez o chá, pois ouvira comentários sobre seus benefícios contra essa doença. Talvez dessa planta seja extraída a quinina, que combate a malária. Ele tomou algumas doses e, ao sentir-se melhor, já abandonou o chá. Ela até pensou em ir à comunidade do Lago do Puruzinho, onde os moradores usavam uma planta chamada citronela para afugentar os mosquitos. Eles amassavam as folhas e jogavam próximo ao lugar onde se reuniam para conversar nos finais de tarde. Ela
descobriu que os agentes de endemias estavam distribuindo mudas para que os moradores do lugarejo pudessem plantar nos quatro cantos de suas casas a uma distância de um metro. Embora não tenha sido confirmada a eficácia pelo método entomológico ou método cientifico mais elaborado, averiguou-se a redução de 100% de incidência da doença por um ano no local após o plantio. No entanto, os agentes de endemias disseram que não poderiam disponibilizar as citronelas para Dandreia, pois a maioria das mudas já haviam sido entregues aos moradores e as últimas que restaram, foram enviadas para a plantio na fazenda do prefeito a mando do secretário municipal de saúde de Humaitá. Outra filha, Nislene, ficou sabendo que algumas comunidades estavam usando um mosquiteiro impregnado com inseticida, afugentando assim os mosquitos. Ela comentou que a comunidade do Lago de Acará se ligou na informação e adaptou o sistema para as plantações de hortaliças. Além do isolamento físico, o inseticida também afugentava galinhas, insetos e outros predadores que destruíam a horta, culminando num plantio eficiente. Nas comunidades deste lago, a malária não estava controlada, mas pimenta, pimenta de cheiro, cebolinha, alface, entre outros legumes e verduras, não faltavam mais na mesa do ribeirinho, um verdadeiro “banquete e calafrio”. A criatividade humana extrapola a razão e leva a experiências inimagináveis. Como seu pai já poderia estar doente e eles não possuíam horta, este mosquiteiro não ajudaria muito o Velho Guerreiro e mesmo se ele o quisesse, também não poderia adquiri-lo, por que o mesmo é distribuído pelos agentes de endemias e os últimos que restaram, foram enviados para instalação na fazenda do prefeito a mando do secretário municipal de saúde de Humaitá. Depois de um tempo, como era de se esperar, os sintomas surgiram novamente. Rosenildo, genro do Guerreiro, levou-o ao laboratório do Lago do Uruapiara, aquele mesmo que dava as famosas festas, pois devido ao número cada vez mais crescente de casos de malária na região, o lugar era mais indicado para a instalação de um laboratório para diagnóstico da doença. Como nem tudo são flores, o laboratório passava por dificuldades de recebimento de combustível para funcionamento do grupo gerador de energia. Refletindo sobre esse desafio, um dos microscopistas inovou adaptando uma lanterna, dessas presas à cabeça, com lâmpadas de LEDS, movida a pilhas, no lugar das lâmpadas dos microscópios. O que era problema tornou-se solução e de melhor qualidade. O microscopista criativo fez vários testes das lâmpadas convencionais e da lanterna e os resultados sempre foram os mesmos. Com esse método, confirmou que o Senhor Guerreiro estava realmente com
malária, iniciando o tratamento especifico para a espécie identificada e o paciente comprometeu-se a não o interromper. A malária é transmitida através da picada de um mosquito infectado e umas das formas de controle da doença é o controle do mosquito. Este controle é extremamente difícil, uma vez que é o homem que está invadindo sua moradia. Como o diagnóstico e tratamento estão acessíveis através dos agentes de saúde e microscopistas que atuam nos muitos laboratórios rurais, a prevenção não é o ponto mais importante para a população, que recebe o tratamento precoce e oportuno grande parte das vezes. Além da doença não causar deformidades, o melhor acesso ao diagnóstico trouxe a falta do medo da doença e o uso incorreto dos mosquiteiros para a própria proteção. Mesmo após a medicina ter se modernizado, ainda é possível ver, através dos relatos, que existe muito empirismo e desconhecimento que levam as pessoas a manterem práticas questionadas acreditando que o controle está sendo eficaz.