LAILLA MELISSA CASTRO PINHEIRO BARBOSA
Eram 19 h no ponteiro do relógio, mas o sol teimava em não se por. Naquele ano os dias roubavam algumas horas da lua para iluminar o cenário, fato que fez Isabela postergar a chegada em casa só por alguns minutos para ver o sol se por no horizonte. A rotina de trabalho era cada vez mais cansativa com o passar dos anos, afinal de contas, trabalhar e estudar é para poucos.
Mesmo com todos os percalços que encontrava, Isabela mantinha o brilho no olhar de quem é perseverante e luta por um amanhecer melhor. Jovem, de cabelos negros, lisos e longos que poderiam lhe aquecer em um dia frio, seus olhos eram cor de mel e com a luz do sol era possível ver raios de verde em nuances contrastando com a cor da sua pele morena.
Graças a um primo distante, Isabela trabalhava em uma empresa de construção civil, onde exerce função semelhante à profissão que escolheu para seguir na faculdade. Para chegar em casa atravessada um bosque com árvores de copas elevadas e belos jardins guardando as laterais da estrada, o cheiro de jasmim no caminho para casa era o principal motivo para andar até seu destino.
Seu lugar preferido no mundo era o vilarejo em que morava, calmo, sereno e pacato. A mesma tranquilidade encontrava em sua casa, tão logo o silêncio fosse irrompido pelo latido do Pingo, o Golden Retriever que guardava com vigor seus pertences. Apesar de imenso e com latido forte, o peludo dourado só tinha interesse nas lambidas e brincadeiras, não feria uma mosca sequer.
E assim os dias passavam e as noites chegavam naquela mesma rotina. Até que certa vez caminhando de volta para casa ela encontra Pingo no meio da estrada sendo resgatado por certo rapaz desconhecido que tentava controlar as corridas de Pingo atrás das abelhas no jardim lateral: difícil missão. Prontamente sai em disparada para ir ao encontro do cachorro, que faz o mesmo ao ver sua dona.
– Olá – disse o rapaz.
– Oi, onde você encontrou meu cachorro? – retruca Isabela, de forma exasperada.
– Boa noite pra sra também! O encontrei vagando na estrada perseguindo abelhas, acredito que fugiu de casa.
– Sim certamente, isso nunca aconteceu antes, ainda assim desculpe meu desespero, Pingo é tudo para mim. Me chamo Isabela, a quem devo agradecer o resgate?
– Marcelo, a seu dispor! Estou chegando na cidade, vim devido a uma oferta de emprego e veja só, já me deparo com um canino desamparado. Você fez bem em colocar o endereço no pingente da coleira do bom menino.
– Obrigada – disse Isabela.
– Quer ajuda pra levar o canino pra casa? – Lançou Marcelo.
– Não, são anos de prática levando ele pra passear, mesmo assim, obrigada.
E assim terminou o colóquio entre dois estranhos unidos pela fuga de um cachorro. Levar Pingo para casa não foi nada fácil. Isabela foi traída por seus pensamentos naquele momento, desejando deixar de ser tão cabeça dura e aceitar logo a ajuda.
O fim de semana foi longo, sem muito a fazer, ainda assim os pensamentos de Isa estavam a mil. “Que oferta de emprego? Será que vai morar no vilarejo? Que profissão terá o rapaz desconhecido?”
Na segunda-feira, suas perguntas logo foram sanadas ao se deparar com um rapaz alto, branco, de olhos negros como a noite, conversando com ninguém menos que seu chefe imediato. Sim, era Marcelo o salvador de cães distraídos.
– Olha só, parece que vamos ter que conviver mesmo você não aceitando minhas propostas – Disse Marcelo.
– Ah, olá, é o rapaz do bosque não é? Bom dia pra você também! – disparou Isa.
A habilidade das mulheres de pagar na mesma moeda é impressionante.
– haha muito bem! Sou o novo engenheiro da empresa, a antiga moça que ocupava o local solicitou férias, até o momento ficarei de forma provisória – disse Marcelo com bom humor.
– Poxa, ainda assim parabéns pela vaga, espero que faça um excelente trabalho por aqui, estamos precisando de alguns prédios novos no vilarejo.
Alguns meses se passaram e o que era provisório se tornou permanente, Marcelo foi admitido formalmente pela empresa pelo bom trabalho desenvolvido. E o relacionamento com Isa se estreitou de tal forma, que fios de cabelo teriam dificuldade de atravessar este casal.
Dalí então passaram a morar juntos, e quando os vizinhos puderam perceber, estavam participando de uma cerimônia simples e aconchegante para celebrar a união dos dois perante a Igreja e sociedade.
Como comemorar um amor tão bonito senão com uma viagem aos campos de uma cidade vizinha, conhecida por suas belas praias e florestas. O casal escolheu um hotel de selva para apreciar a vista e vivenciar o melhor que as trilhas do local pudesse oferecer.
– Nossa, aqui parece que os mosquitos só conseguem encontrar minhas pernas – disse Isa com tom de riso.
– Realmente só você está sentindo, acho que eles sabem reconhecer uma bela fêmea.
Ambos caíram na risada.
Duas semanas foram suficientes, o trabalho aguardava pelos dois, e a faculdade de Isa não iria esperar ela curtir seu momento de romance. A chegada em casa foi acolhedora como de costume, Pingo estava com mais saudade do que qualquer ser humano ali presente.
As idas ao trabalho era cada vez mais felizes, por ter a oportunidade de trabalhar ao lado de quem se ama, o retorno para casa melhor ainda. Tanto que Isabela perdeu as contas dos dias e meses, quando percebeu já havia 2 meses desde sua ultima menstruação. A melhor definição de acidente bem-vindo, foi com felicidade que Isa deu a noticia a Marcelo, e ele a recebeu da mesma forma.
As idas ao médico para o Pré-Natal eram sempre uma alegria, um bebê saudável para abençoar o casal. Quando chegou a hora da ultrassom do segundo trimestre, uma surpresa inesperada, tanto pela equipe médica, quando para os jovens apaixonados. O bebê não estava crescendo como deveria, e o desenvolvimento cérebro espinhal estava afetado.
– Como isso foi acontecer? O que fiz de errado? – Isa não parava de se perguntar.
– Acredito que foi sorte, ou no caso a falta dela. Isso não irá diminuir o amor que sentimos por esta criança. – Disse Marcelo determinado.
O que o casal não percebeu, é que na lua de mel Isabela já estava grávida, e tiveram a infelicidade de celebrar o momento em um local endêmico de Aedes aegypti. O fato só transbordou na mente de Marcelo ao ser questionado pelo médico sobre a possibilidade de estar em áreas de floresta fechada ou locais em que a população não cuidasse direito de seus reservatórios de água.
Tudo que poderia ter sido feito, foi. E ainda assim, meses depois daquela notícia uma criança chamada Luz nasceu, linda, com vigor no choro e apresentando microcefalia. Era o dia mais feliz da vida do casal. O fruto da união e companheirismo. A amamentação foi um desafio, como sempre tem que ser. As trocas de fralda eram momentos de risada e choro livre, muitas camisas de Marcelo foram perdidas.
Até que certa noite, Luz não chorou para amamentar de madrugada. Isa estava tão cansada que não percebeu o fato. Dormiu uma noite serena e revigorante. Ao raiar do dia, Luz não fazia mais parte daquela família. Foi abençoada com uma morte serena e companheira.
Da mesma forma que Luz foi embora, a felicidade do casal se esvaiu. Os dias era mecânicos, o trabalho já não fazia sentido. E o companheiro que dormia na mesma cama, quase não conseguia emitir palavras. Ambos emudeceram, os olhos de Isa já não brilhavam mais.
Ninguém nasce preparado para perder um filho. A verdade é que Luz foi uma missão na vida dos dois. Um momento de dor que deixou marcado para sempre seus corpos e almas. Um bebê Arco-Íris.
Dali então os dias passavam mais devagar, e Marcelo encontrou em Isa uma verdadeira guerreira. Ela precisava lutar, combater a tristeza que emanava. Marcelo a seguiu prontamente. Não havia mais rotina entre o casal, cada dia era uma nova história, uma nova surpresa. E Luz se tornou inspiração.
O casal se reencontrou, nos olhos um do outro. Demorou alguns meses pra perceberem que a vida é sutil. O que se dá também é tirado. E depois de tudo que Isa viu e viveu, seus olhos brilharam novamente, com a notícia de que uma vida nova chegaria, dali a 9 meses a trilha sonora daquela casa mudaria para sempre.