FERIDA BRABA

MARIA AUXILIADORA CRUZ MESSA CHIARION

 Para a disciplina História da Medicina escolhi contar a história do botão do Oriente, botão de Alepo, botão de Biskra, ferida braba, botão da Bahia, úlcera de nariz. Nomes populares não faltaram para identificar a leishmaniose cutânea (tegumentar) no início do século passado. No entanto, a denominação “úlcera de Bauru” foi a mais polêmica e rendeu o mito vergonhoso, pois foram os desbravadores funcionários da Ferrovia Noroeste do Brasil contaminados que trouxeram essa má fama. Ali, os médicos indagavam a procedência dos doentes e estes respondiam que procediam de Bauru, então os médicos tiravam a conclusão que tais feridas eram oriundas de lá. Este injusto batismo, provocou a presença de ilustres cientistas brasileiros Emílio Ribas e Adolpho Lutz para pesquisar a malvada

E entenderam que se tratava daquela doença que acompanha o homem desde a antiguidade, existindo relatos e descrições desde o sec. I d.C. nas cerâmicas pré-colombianas feitas pelos índios do Peru, que apresentam mutilações de lábios e narizes, características da espúndia, hoje conhecida como leishmaniose cutânea-mucosa.  A fealdade ali se manifestava. Até múmias foram descobertas com lesões de pele e mucosas características da leishmaniose.

Mas se alguém quiser mesmo saber sobre a primeira referência de LTA – Leishmaniose Tegumentar Americana no Brasil, vai encontrar no documento da Pastoral Religiosa de 1827, no livro de Telo, intitulado “Antiguidad dela Syfilis en el  Peru”,onde ele relata a viagem de Frei Dom Hipólito Sanches de Fayas y Quiros, de Tabatinga(AM) até o Peru ,percorrendo as regiões do vale amazônico.

Na época da borracha, a região amazônica chamava a atenção por sua centralidade na discussão a respeito das patologias tropicais. Sua localização privilegiada nos trópicos atraia médicos e pesquisadores da época que a consideravam como um lugar em que as patologias tropicais se apresentavam “com suas características verdadeiras, não raro modificadas nas condições mais temperadas das zonas intertropicais”.

Daí a fora, foram descritos casos no Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, só poupou o Sul.  Ops ! que nada, meu colega acaba de contestar que lá no Paraná tem também.

A LTA é uma doença não contagiosa, de evolução crônica, que acomete as estruturas da pele, causada por picada da fêmea dos flebotomíneos, popularmente chamados de “mosquito palha” ou “cangalhinha”. Eles são pequenos, de cor clara e pousam de asas abertas. O bicho é bem pequenininho, parece mosca de frutas.

E´aì que quero chegar, essa picada que começa como uma espinha, fica logo com bordinha, e dizem que é indolor, mas quem sabe é o portador.

Ao chegar ao Tropical, nem imagina que o “Guerra” vai enfrentar.

Antes era só no pescador e agricultor…mas a expansão da zona urbana, que vai empurrando a fronteira, tem ocasionado muitos casos positivo ao longo da Barreira.

O diagnóstico vai ser difícil, se demorar a vir, porque o Claudemir não deixa ninguém rir. O caboclo quer até fugir, mas não tem pra onde ir. O Ambulatório o espera. Vai pegar seu relatório com o esquema de injeção pra curar sua lesão. E depois de tanta picada, parece que está curada.

Aff, que nada, passa a chuvarada, entra outras temporadas. É pesca esportiva, pesca e solta e tantas modalidades que a gente nunca viu. Vem rico gringo, e rico e não gringo. Pra ganhar uma bolada, lá vão os como barqueiros, servir de escudeiros. E até na distribuição das doenças, o Brasil é desigual, embora no período de setembro esteja esse alvoroço, Só os pobres ficam no osso. Eles têm tudo telado, filtro solar 100 e respeitam direitinho o horário do mosquito, se é que existe isso.

E voltam felizes pros seus lugares, deixando em muitos casos, a gratidão pela servidão… que mais tarde quem sabe tem lesão, nos pés e nas mãos. E três meses então voltarão …ao Claudemir….que só faz rir. E diz: – Pra ti só espera injeção.

Negligenciadas não são as doenças, e sim os doentes; uma análise da situação, diz que é a sexta doença mais importante pela OMS e os desafios para o alcance deste controle continua longe…apesar de ser de notificação compulsória, tem muita falta de fechamento de caso. São esses, aqueles que retornarão com o narigão…por que a ferida braba não morreu….apenas adormeceu.

Legenda:

  • Botão do Oriente, botão de Alepo, botão de Biskra, ferida braba, botão da Bahia, úlcera de nariz nomes polupales da Leishmanise Tegumentar Amecicana
  • Espúndia: Afecção cutânea, comum em algumas regiões das Américas Central e do Sul, causada por uma espécie de Leishmania; úlcera de Bauru.
  • Fealdade: Feiura ou fealdade é uma característica de um ser vivo ou inanimado, cuja aparência é visualmente desagradável e resulta numa avaliação desfavorável. Um Ser feio é um Ser não atraente, mas sim repulsivo, ou até mesmo ofensivo, aos que partilham ou não dos mesmos valores culturais.
  • Flebotominios: Os flebotomíneos são uma subfamília de insetos da família dos Psychodidae. Esta família inclui vários géneros de moscas hematófagas, incluindo os principais vetores de transmissão da leishmaniose, bartonelose e febre por flebótomos.

Mosquito Palha ou Cangalhinha : nomes populares do flebotomínio.

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
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