MEDICINA EGÍPCIA

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

Apesar dos esforços dos pesquisadores da medicina egípcia antiga, infelizmente os poucos dados disponíveis das práticas médicas dizem respeito, exclusivamente, aos estamentos dominantes.

Como as outras civilizações regionais estruturadas ao lado dos rios férteis, a egípcia se desenvolveu nas margens piscosas do Nilo, de onde retiravam o sustento da maior parte da população.

A mitologia sofreu constantes modificações de acordo com as épocas e os espaços. Os deuses, deusas e reis eram, essencialmente, curadores e protetores contra o mal. Os sacerdotes representavam os intermediários do poder divino e a eles cabia a arte de curar e adivinhar.

Entre os principais personagens taumatúrgicas, destacaram-se:

 

  1. Thoth, um dos mais antigos do panteão, curou Horus da picada do escorpião e as feridas causadas pela luta entre Horus e Set;
  2. Imnhotep, filho de Ptah, representado por incontáveis estatuetas de bronze, achadas nas escavações arqueológicas de vários períodos políticos do Egito antigo;
  3. Isis, a curadora de Ra, possuía o poder de ressuscitar os mortos;
  4. Sechmet, a protetora das doenças das mulheres;
  5. Zoser, rei da terceira dinastia, utilizava nas correspondências a designação Sa ou aquele que cura e nas inscrições do templo o título de médico divino.

 

Por outro lado, apesar da medicina egípcia ter sido incompetente para estabelecer um sistema médico, acumulou impressionantes avanços no trato empírico da saúde e da doença. Diferente da tradição assírio-babilônica, considerava a respiração a função mais importante do corpo.  O sangue foi substituído pelo ar como a substância vital.

Sem abandonar a força do sangue, O Livro dos Mortos descreve o nascimento dos deuses Hu e Lia a partir do sangue saído do pênis do deus-sol Ra.

A origem das doenças estava lidada:

 

  1. Vento;
  2. Parasitas da pele e dos intestinos;
  3. Alimentos;

 

A estreita relação entre doença e parasita nasceu, provavelmente, a partir da grande quantidade de infestação parasitária dos que moravam e trabalhavam nas áreas de várzea do Nilo. O conhecimento historicamente acumulado, ao longo de centenas de anos, interligou os vermes saindo pela boca ou pelos anus com a origem das doenças dos indivíduos debilitados e incapazes de trabalhar.

Os principais pontos articulados da medicina empírica do Egito antigo estão contidos nos papiros de Berlin, Carlsberg, Chester Beatty, Ebers, Edwin Smith, Hearst, Kahoun, Londres, Ramesseum.

Os mais importantes e melhores conservados, o papiro de Ebers, escrito entre 1553 e 1550 a. C., e o de Edwin Smith, produzido em torno do ano 1550 a. C., foram encontrados em Tebas:

 

  1. Papiro de Ebers

 

Após a longa introdução dedicada aos deuses curadores, compilou os saberes médicos da época sobre os medicamentos para:

 

  1. Aumentar o apetite;
  2. Melhorar a função intestinal e a digestão;
  3. Dores reumáticas;
  4. Paralisia dos membros;
  5. Estados gripais;
  6. Doenças dos olhos;
  7. Doenças do ouvido;
  8. Doenças do estômago;
  9. Doenças do fígado;
  10. Obstruções intestinais;
  11. Doenças Pulmonares;
  12. Mordeduras de animais;
  13. Queimaduras;
  14. Cuidados com a pele e o cabelo;
  15. Poliúria;
  16. Doenças dos dedos e das mãos;
  17. Cuidados com os dentes e a língua;
  18. Doenças ginecológicas;
  19. Abcessos e tumores;
  20. Doenças do coração;

 

E descreveu de modo preciso a hérnia inguinal, a angina do peito, a gastrite, conjuntivite e otites entre outras.

 

2, Papiro de Edwin Smith

 

Uma parte significativa é dedicada ao diagnóstico, tratamento e prognóstico dos traumatismos. As descrições pormenorizadas incluem o quadro clínico dos traumas faciais, pescoço, clavícula, úmero, esterno, tórax, costelas, ombro, coluna lombar.

Os seus autores foram fascinantes ao não deixar dúvidas quanto ao valor na prática médica:

 

  1. Anatomia cirúrgica;
  2. Cautério;
  3. Curativos;
  4. Redução e imobilização das fraturas;
  5. Sinais clínicos distinguindo a fratura da luxação;
  6. Importância da crepitação óssea;
  7. Luxação da mandíbula;
  8. Paralisia dos membros secundária ao trauma da coluna e do crânio;
  9. Prognóstico ligado aos recursos disponíveis para beneficiar o doente.

 

A especialização dos conhecimentos médicos do Egito era um fato. O mais antigo médico conhecido, um certo Hesy-Ra, exercia a odontologia como especialidade nos anos 3000 a.C. Os registros dos papiros também citam oftalmologistas e ginecologistas.

Heródoto refere o início da prática da circuncisão no Egito:

 

É óbvio , realmente, que os côlquios são de origem egípcia, e eu mesmo fiz essa observação antes de ouvi-la de outros…os côlquios, os egípcios e os etíopes são os únicos povos que desde sua origem  praticam a circuncisão. Os fenícios e os sírios da Palestina reconhecem que aprenderam esse costume com os egípcios…”

 

A prática não era obrigatória. Existem muitas ilustrações de como realizar essa operação. A mais antiga está na tumba de Ankh-ma-Hor e descreve-a como um ato religioso realizado por um sacerdote especializado.

O embalsamamento está intimamente ligado à crença egípcia do renascimento após a morte. O corpo enterrado deveria estar conservado tendo a cabeça voltada ao Oeste para poder renascer na outra vida.

O sacerdote era também o médico da morte. Entre as suas funções estava a imperativa necessidade de depositar o corpo intacto no sepulcro.

Não existem registros precisos do início do embalsamamento. No período pré-histórico, os egípcios enterravam os seus mortos sem qualquer tipo de tratamento. A especial qualidade do terreno desértico, quente e seco, conservou intactos muitos corpos. Não é improvável que a observação desses mortos, exumados muitos anos após o óbito, tenha contribuído no aperfeiçoamento das técnicas do embalsamamento com o objetivo de alcançar melhores resultados que favoreceriam o renascimento.

Os mais antigos registros de mumificação datam de 3.400 a. C. Trata-se de Hetep-Heres, mãe de Keops e mostram os membros desar-ticulados antes de terem sido envoltas com as bandagens. As múmias do Médio Império eram tratadas com as vísceras nas suas posições.

Modificações importantes ocorreram nos procedimentos para embalsamar os mortos, no Egito antigo, antes de existir a codificação., elaborada no Novo Império. Nesta época, o trato do cadáver obedecia às normas mais ou menos rígidas de acordo com as posses financeiras e a importância social do morto. Em alguns casos, os embalsamamentos duravam sessenta dias:

 

  1. O corpo era transportado à Casa dos Deuses;
  2. O conteúdo craniano era retirado através dos orifícios naturais;
  3. A evisceração abdominal se fazia com uma longa incisão no flanco para a retirada inteira dos órgãos;
  4. O coração permanecia no lugar;
  5. As vísceras liberadas recebiam cuidados especiais e eram depositadas em recipientes adequados;
  6. O corpo era criteriosamente desidrato, submetido às lavagens com óleos e essências e envolto com tiras de pano.

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
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