A Medicina no tempo – XV (Conclusão)

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

 

A historiografia da Medicina é clara na demonstração da indissolubilidade da ação médica com os componentes sócio-econômico-cultural-político da comunidade onde se dá o evento médico. A própria história do homem na nossa espécie. – homo sapiens – está ligada ao processo de acumulação do conhecimento na tentativa de modificar as relações do binômio saúde/doença e vida/morte.

A relação de Medicina com o social é predominante, porque nele se dá a relação básica da contradição médico-paciente a busca da saúde na doença.

No lento avançar do conhecimento e na superação da dúvida, a contradição vai sendo redimencionada, tornando a sua convivência mais aceitável para o médico e o paciente.

O Homo sapiens existe no planeta aproximadamente  500.000 anos, há 5.000 anos temos os primeiros registros de comunicação pela escrita, há pouco mais de 300 anos esse homem começou a estudar a microestrutura, a célula, há 120 anos elaborou a primeira idéia de hereditariedade e somente há 20 anos começou a identificação da substância básica da vida, fonte de todas as informações genéticas, o DNA (ácido desoxirribonuclêico).

Apesar dos registros da ação médica nos tempos ultrapassar a 40.000 anos, o primeiro corte epistemológico, o estudo da microestrutura, aconteceu no século XVII e o segundo e último, a elaboração das leis da hereditariedade no final do século passado.

Nesse intervalo de tempo, da primeira ação médica até os dias atuais, centenas de descobertas foram feitas e relacionadas diretamente com  a Medicina. Se elas não resolveram a totalidade, serviram para atenuar a contradição fundamental.

As guerras que sempre acompanham o homem no seu processo de transformação, serviram de palco para inúmeros entendimentos do comportamento biológico, principalmente das feridas traumáticas.

Os problemas atuais da Medicina não são atuais. Eles existem há pelo menos quatro milênios na dificuldade de estabelecer parâmetros da competência e da ética. Os legisladores, ao longo da história, já elaboraram incontáveis normas e regulamentos. Os atuais Conselho da Medicina são os continuadores dessa milenar tentativa de disciplinar a ação profissional do médicos.

No Ocidente, hoje, nao é facil dimencionar a saúde sem falar da doença, porque a saúde ficou reduzida a não doença. Se só podemos produzir a saúde acabando com a doença, a atual ordem médica, no afã de acabar com as doenças, descobrirá inevitavelmente, novas doenças.

É o que esta acontecendo nas últimas décadas, sem que se consiga aumentar a longetividade de maneira significativa, mesmo nos países ricos e industrializados. Torna-se evidente que o sistema médico que se fundamenta no domínio da doença, não pode produzir saúde.

Em conseqüência do atrelamento ao poder, que historicamente a ordem médica aceitou, a compreensão da saúde está envolvida pela temporalidade do conhecimento e sofre interferência direta dos fatores sócio-econômico-político-cultural predominantes na sociedade.

A melhoria do padrão de saúde obtido em alguns países e conseqüente aumento de longetividade, não foram frutos da sofistificação da ação médica, isto é, não foi a utilização de transplantes do coração, das bombas de cobalto e marca-passos. Ao contrário, foram as ações básicas de saúde, o atendimento primário, junto com as obras de engenharia sanitária e a melhoria das condições de trabalho, educação e habitação das populações, os  responsáveis pelo desaparecimento das doenças endêmicas e pelo controle das outras.

Certamente o futuro da Medicina está ligado à identificação completa do genoma humano e somente assim poderá desaparecer  a histórica contradição da busca da saúde na doença.

Resta, finalmente, um ponto de fundamental importância. Nada nos obriga a pensar que o homem continuará no planeta para sempre. Nunca existiu na natureza, animal tão destruidor como o homem. Ele conseguiu romper o equilíbrio dos sistemas ecológicos da terra, que se processaram ao longo de milhões de anos,

O homem matou, em nome dos poderes, com o tacape, arco e flexa, espingarda, metralhadora, canhão, bomba atômica e, certamente, matará como o laser da guerra nas estrelas.

A todos nós, resta  a incerteza da vida na certeza da doença, sem que a Medicina, enquanto Ciência, possa modificar, no momento, o curso dos acontecimentos.

É absolutamente necessário que esses registros sejam repassados nos atuais cursos de Medicina de modo sistemático.

A primeira universidade que adotou o ensino da História da Medicina foi a de Würzburg, na Alemanha, em 1743. A partir da Segunda metade do século XVIII apareceram publicações pioneiras de Blumenbach, em 1786, Introdutio in historiam medicinae letteriam e a de Ackermann, em 1792, Institutiones historiae medicinae.

Com o fechamento das faculdades de Medicina na França após a Revolução Francesa e a posterior criação, por decreto, das três primeiras Écolo de Santé, em 1794, ficou determinado no mesmo decreto a disciplina de História da Medicina.

O movimento para a consolidação do ensino da História da Medicina as universidades teve representantes em quase todos os países da Europa.

Na Áustralia, Heinrich Attennofer, em 1808, inaugura o ensino da História da Medicina e na Itália, no período da unificação, em 1861, era ensinado nas universidades de Bolonha, Florença, Nápoles, Palermo e Turim.

Nos Estados Unidos, a Universidade Jonh Hopkins foi a pioneira, em 1877, quando John Billings foi nomeado Conferentista de História da Medicina.

No nosso período o movimento alcança a Espanha, Holanda, Inglaterra, Escócia, Polônia, Tchecoslováquia e Russia.

Atualmente, o ensino da História da Medicina esta definitivamente consolidada em todas as universidades da Europa e dos Estados Unidos.

A situação no nosso país é representada pela ação individual de ilustres historiadores, como os professores Lycurgo Santos Filho, Octacílio de Carvalho Lopes e Ordinal Cassiano Gomes e de algumas universidades que aceitam a disciplina em caráter optativo.

É indispensável que os Cursos de Medicina e História da universidade brasileira de unam, nesse momento de redimencionamento dos conteúdos curriculares e juntas discutam a importância do conhecimento da História da Medicina, solidificando sua implantação em caráter definitivo no curriculo médico.

Talvez assim, possamos impedir que a Medicina no nosso país continue a ser manipulada por interesse predominantemente econômico das multinacionais que dominam a indústria médico-hospitalar e do imediatismo politiqueiro, com o objetivo de redimencionar seus rumos para a verdadeira busca da saúde coletiva e resgatar o conhecimento médico historicamente acumulado.

 

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
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