Prof. Dr. HC João Bosco Botelho
O DIA 27 DE OUTUBRO É MARCADO PELA TRISTE LEMBRANÇA DA EXECUÇÃO DO MÉDICO EESPANLHO MIGUEL SERVET EM GENEBRA NO ANO DE 1553.FOI O RESULTADO FINAL DA PRSEGUIÇÃO IMPLACÁVEL DA INTOLERÂNCIA IDEOLÓGICA DOS CATÓLICOS E PROTESTANTES.
Ele teve o privilégio de ter incomodado igualmente a ambos. Foi queimado em imagem pela igreja Romana e levado ao fogo lento da madeira verde pelos calvinistas.
Além do impacto que até hoje a sua morte dramática e cruel representa, servet foi uma figura fascinante no conjunto renascentista pela liderança que exerceu no protestto incansável e veemente do abuso do poder exercido pelo papado e que se renovou no protestantismo emergente.
Esse singular médico espanhol nascido em 1509 na aldeia de Villanueva de Sigena, fez uma das mais importantes contribuições no estudo na pequena circulação do AR com a VIDA.
É indispensável rever alguns aspectos da Espanha intolerante das cruzadas que se aliou aos cristãos para expulsar os árabes. A caça impetuosa aos não-cristãos, judeus e muçulmanos, atingiu o seu ponto máximo. Aparentemente nada de racial era imposto nesta infernal situação, porque os árabes e judeus eram aceitos se fossem submetidos ao batismo. milhares deles concordaram em serem levados à pia batismal. os que não cederam às pressões do poder inquisicional de Torqueada, foram imobilizados nas prisões ou deportados para o Novo Mundo. milhares de prisioneiros da consciência foram mortos nas fogueiras para servirem de exemplo e inibir a dúvida.
Miguel Servet estudou na Universidade de Tolousse, em 1530, que tinha nesta época algo em torno de dez mil alunos e seiscentos professores (quase o dobro da totalidade da Universidade do Amazonas). Foi lá que estudou Direito e fez seu primeiro protesto contra o Código Justiniano que legislava a pena de morte a todos que negassem a doutrina da trindade.
muitos deles, depois de batizados, foram incorporados na alta hierarquia da igreja. Um dos exemplos foi Pablo de Santa Maria Bispo de Burgos que era judeu e foi o responsável por grande parte dos estudos de Servet.
Foi a partir da leitura atenta a crítica da Bíblia que Servet comprovou a absoluta ausência de qualquer referência a Trindade. Ele escreveu no seu livro ” Sobre os erros da Trindade” (De Trinitatis erroribus), publicado em 1531, depois de analisar as implicações ideológicas do poder romano, que a doutrina da Trindade é um conjunto de sofismas com origem no Concílio de nicéa, no ano 325, coincidindo com a primeira grande quebra na unidade ideológica da igreja e com o começo do poder temporal do papado.
Nos anos que se seguiram ele se tornou conhecido nos centros acadêmicos da Europa renascentista. É provável que tenha sido editado várias vezes o seu livro De Trinitatis errobus e milhares de pessoas letratas o tenham lido.
Esta afirmação foi reforçada recentimetne pela pesquisa feita pelo historiador Carlo Ginzburg no Arquivo da Cúria Episcopal de Udine, Itália, em 1970. No seu estudo dos documetnos inquisitorais da seita Friuli, cujos membros foram identificados como bruxas e curandeiros, chamou a sua atenção o volumoso processo do longo julgamento e da condenação do moleiro Domenico Scandella, conhecido como Menocchio.
S publicação do resultado desse estudo o consagrou na literatura com o livro II formaggio e I vermi. II cosmo di un mugnaio ”500”. No Brasil foi editado pela Companhia das Letras com o título ” O quijo e os vermes. O cotidiano de um moleiro peseguido pela inquisição”
no desenrolar do realto o historiador conclui que é muito provável que o moleiro Menocchio tenha lido De trinitatis erroribus de Miguel Servet e que dofreu agudamente a influência do ideário do m+edico espanhol.
Existe incrível coincidência em algunapontos que serviram como base para a pena de morte na fogueira do moleiro e o conteúdo do livro de Servet.
carlo Ginzburg reproduziu alguns trechos do interrogatório sofrido pelo moleiro menocchio, onde ele afirmou: ” Minha dúvida e que Cristo (…) não tivesse sido Deus, mas um profeta qualquer, um homem de bem que Deus mandou pregar neste mundo (…). Eu acredito que seja homem como nós, nascido de um homem e de uma mulher como nós, e que não tinha nada além do que recebera do homem e da mulher, mas é bem verdade que Deus mandara o Espírito Santo escolhê-lo como seu filho?”.
Grande parte dos autos do processo da condenação de Servet publicados por Rolnad H. Bainton da Universidade de Yale, rettrata os mesmos pensamentos: ”Pois por Espírito Santo entendia era o próprio Deus, era um anjo, era o espírito do homem, concebido ou como um certo instinto, ou a natureza divina da alma, ou o impulso da mente ou o hábito, embora às vezes se note a diferença entre o sopro e espírito”. O objetivo central de todo o discurso de Miguel Servet, tanto nas suas pulicações como perante aos inquisitores, foi demonstrar que a doutrina da Trindade era falsa. Para isto ele utilizou com frofunda sabedoria os conhecimentos acumulados até aquela época de Tertuliano, o nominalismo de Occan até a teologia oficial e a medicina aprendida na Faculdade de Medicina da Universidade de Paris.
Se é possível achar pontos comuns no discurso de Servet e do modelo italiano, o que levouo a ambos a fogueira da inquisição, é porque muitas pessoas participavam do mesmo ponto de vista sobre a doutrina cristã da Trindade. É impossível avaliar a extenção com que os questionamentos do médico espanhol penetrou no imaginário das massas da Europa naquele tempo, porém não reta dúvida que o controle sócio-político exrcido pela igreja acionou os seus mecanismos de repressão com competência para coibir este movimento.
Foi na busca dos motivos que geraram os acréscimos na palvra espírito desde o Concílio de Nicéa e os seus elos com o sopro vital que Servet trouxe à luz na importância do ar no processo da respiração e da pequena circulação coração-pulmão-coração, que envolve o lado direito do coração.
Ele admitia que existia uma profunda analogia entre o espírito e o sopro. Acrescentou nos seus escritos: ”Tudo que é feito pelo poder de Deus dizem que é feito por força de seu sopro e de sua inspiração pois não se pode pronunciar uma palavra sem o sopro do espírito. Da mesma forma como não podem pronunciar uma palavra sem a respiração e por isso se fala no espírito da boca e espírito dos lábios (…). Afirmo, pois que o próprio Deus é o nosso espírrito Santo em nós (…) FIÕRA DO HOMEM NÃO EXISTE NENHUM ESPÍRITO SANTO (…)”. (Grifo nosso).
Não é possível que o moleiro Menocchio quando fazia o seu discurso aos seus amigos não tivesse embasado em conhecimentos teóricos, por menores que tenham sido, marcados pelo pensamento de Srevet, que nesta época já era conhecido e citado em várias outras fontes.
Em trecho reproduzido por Carlo Ginzburg do julgamento do moleiro está escrito nos autos de acusação, que Menocchio afirmou : ” Quem é que vocês pensam que seja deus? Deus não é nada além de um pequeno sopro (…) O ar é Deus (…). o que é esse Espírito Santo? (…). Não se vê esse tal de Espírto Santo?(…).
parece ser evidente que a preocupação com o Espírito Santo e sua relação com o sopro fez parte do imagina´rio daquele grupo social e a igreja tratou de impedir, de todos os modos, que se espalhasse na massa esses questionamentos.
miguel Servet passou a não ser visto com bons olhos pela hierarquia eclesiástica. Foi o chamado pela inquisição de Zara gosa e teve que fugir para Paris. Adotou o nome de Miguel de Villeneuve provavelmente em referênciaa aldeia espanhola onde nasceu.
Como editor, em Paris, publicou a Bíblia de Pagnani em 1542. Mais de cinco mil volumes foram sucessivamente impressos. destes só vinte e três escaparam da fúria da inquisiçaõ e hoje estão espalhados nas principais bibliotecas do Ocidente.
poucos meses depois de começar os seus estudos de medicina da Faculdade de Medicina da universidade de Paris foi acusado perante o Decano de estar fazendo uso da astrologia imediatamente redigiu a sua defesa – DISCEPTATIO PRO ASTROLOGIA – que foi reimpressa dezenas de vezes até 1880. Nela Servet resgata os conhecimentos de Platão, Aristóteles, Pitágoras, Hipócrates e Galeno para explicar as razões pelas quais utilizava a astrologia na sua própria prática médica. Sofreu, uma vez mais, a violenta perseguição da Igreja, que proibiu a leitura do livro com a cumplicidade da Faculdade de Medicina de Paris.
É obrigação a fugir em direção a Suíça e começa, nesta fase da sua vida, a correspondência com Calvino. Numa das cartas envia os manuscritos do CHRISTIANISMI RESTITUIO, que servirá de base para a sua condenação ao fogo calvinista.
A impressão deste livro, que trata de uma nova ordenação a igreja e da necessidade de profundas modificações na sua estrutura, foi terminada no dia 3 de fevereiro de 1553.
foi com discurso essencialmente teológico que expos no CHRISTIANISMI RESTITUIO as suas novas concepções que modificaram para sempre o conhecimento da pequena circulação que leva o sangue do coração ao pulmão e o traz de volta já oxigenado, para ser distribuído por todo o corpo. Foram com estas palavras que Miguel servet explicou : ” O espírito vital se regenera nos pulmões de uma mistura de ar inspirado e de sangue delicado elaborado no ventríloco direito do coração. Sem dúvida, esta comunicaçáo não se faz através da perede do coração, como se acredita até hoje e sim por meio de um grande orifício o sangue é impulsionado até os pulmões (…)”.
A importância maior dessa preciosa observação da anatomia. num tempo em que a verdade galênica era indiscutível e afirmava que a renovação do sangue era realizada no fígado, é a sua união com a certeza da indivisibilidade do homem no movimento permanente de todas as coisas.
A fé renascentista admitia de modo marcante a unidade de toda a realidade. Servet também não aceitava linhas divisórias. Esclarecer o sentido do movimento do sangue poderia abrir as portas do mistério do movimento dos astros. Esta mesma certeza também levou Giordano Bruno ao fogo aceso pela intolerância ideológica do poder religioso, nauqele tempo o mais importante no controle social.
É possível que Servet tenha ido buscar também na Bíblia e sua inspiração para consolidar as suas observações da anatomia. Em Gn 2,7 estã claro a relação de unidade entre o sopro e a vida, que ele defendeu durante toda a sua curta vida: ” Então Iahweh Deus modelou o homem com argila do solo, insufiou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente”. Pode ter sido a partir dessa citação e da Gn 9,4: ” Vós não comereis a carne com a sua alma, isto é, o sangue” que tenha consolidado a sua certeza da estreita relação entre ar e o sangue no processo do aparecimento e manutenção da vida. Servet afirmou : ” (…) a alma se localiza precisamente em algo que se move: não é no coração, nem no figado como pensava Galeno, nem no cérebro, porque são estáticos, ela reside no sangue que se move por todo o corpo”.
No CHRISTIANISMI RESTITUTIO ele abordou a restauração do cristianismo baseado no conjunto dinâmico das relações sociais. utilizou as suas observações anatômicas como suporte para afirmar a necessidade de mudanças na igreja, porque estava imobilizada. Por esta razão, na sua compreensão, irremediavelmente comprometida pela falsa doutrina da Trindade e pelo batismo precoce das criançasa.
foi o seu fim. O poder de Roma se uniu ao da Reforma para manutenção da unidade do controle social.
no dia 27 de outubro de 1553, Miguel Servet foi queimado vivo no fogo lento da madeira verde para aumentar o seu sofrimento. Durante todo o processo de acusação feito pelos calvinistas em Genebra, só foi possível, apesr de tudo, acusá-lo de dois crimes: o antitrinitarismo e da sua posiçao em favor do anabatismo. Era o suficiente para que os católicos e protestantes se unissem na destruição do inimigo comum.
A brutal perseguição e morte de Miguel Servet, o médico herege, serve ainda hoje, para a reflexão e recusa do desajuste das intolerâncias ideológicas, quaisuqer que sejam elas, na busca da totalidade indivisível do homem.