Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
Os ideais da Academia de Platão, da Escola Médica de Cós de Hipócrates e do Liceu de Aristóteles, amalgamadas às bondades-generosidades como instrumentos do ensino, partes da genialidade grega em torno da paidéia, especialmente, o conjunto da produção intelectual no século 4 a.C., estavam claramente pautados na educação como o principal instrumento das mudanças sociais.
A herança grega, mancando os conhecimentos ocidentais, recebeu muitas interpretações de consagrados intelectuais nos séculos 18 e 19.
O historicismo kantiano admitiu a unicidade absoluta do evento histórico e a multiplicidade na apreensão do mesmo evento. Nesse historicismo é marcante a presença da generosidade, no sentido lato de bondade, bem, bom, desde os primeiros registros nas linguagens-culturas. Do lado oposto, em contraponto, o mal, a maldade, o egoísmo.
Fica muito difícil apreender tamanha grandeza na construção do Ser, entre o bem e o mal, presente no mundo como sendo de exclusiva natureza social.
Há de existir a presença pré-social!
No futuro próximo, as explicações de alguns eventos coletivos que se repetem nos quatro cantos do mundo, como a generosidade-bondade, passará à conjunção sociogenética.
Os livros sagrados, entre os primeiros registros escritos organizados em torno de ideais centralizadores de organização e controle sociais, estão repletos de citações que envolvem a presença de deuses e deusas que reproduzem generosidades-bondades como marcos pacificadores na administração dos conflitos pessoais e coletivos, que foram reproduzidos com incontáveis metáforas laicas.
Budismo:
Identifica entre as Dez Perfeições, Metta é identificada como bondade amorosa. Na mesma trilha, Tenzin Gyatso, o décimo quarto dalai-lama, assinalou no livro A bondade, clareza e Insight: “minha religião é a bondade”.
Cristianismo primitivo:
A palavra grega “agathosuné” é compreendida como generosidade, benignidade. Por outro lado, alguns filólogos acreditam que “agathosuné” e “chrestotes” se confundiam. A influência grega contribuiu para que a palavra chrestos compreendida como “útil, bom, propício” (Lc 5.39 e Mt 11.3) tenha absorvido o significado “moralidade, bondade genuína vinda do coração” (Rom 3,12; 1Co 15,33 e Gal 5,22). Essa interpretação aderiu na Roma dos primeiros séculos motivando alguns imperadores e políticos terem essa palavra gravada junto aos títulos nas menções públicas.
Bíblia:
O senso bíblico da generosidade-bondade abrande quatro significantes:
– Simpatia: amigável buscando formar e fomentar as relações pessoais (1 Cor 13:4, 5);
– Compaixão: bondade cuidadora (Ef 4,32);
– Serviço: bondade generosa voltada à ajuda aos necessitados (Mc 10,51);
– Tolerância: paciência diante da provocação e ingratidão (Rm 2,4; Lc 6:35; 2 Co 6,6-7).
No Antigo Testamento, a generosidade-bondade é expressa em 246 citações da palavra tûbh, derivada da raiz tôbh, referindo-se ao “bem” ou à “bondade” pressupondo muitos sentidos. Um dos mais importantes se refere à bondade moral (2 Cr 31,20; Sl 34,14) recorrida na busca de perdão (Sl 25,7).
No cristianismo não há necessidade de compreender as pessoas melhores umas das outras porque todas são filhos e filhas do mesmo Deus. O ponto de partida da generosidade-bondade é o próprio Deus:
– 1 Crônicas 16,34: Deus é bom;
– 2 Crônicas 30,18-20: Deus é bom e perdão;
– Salmo 31,19: Grande é a bondade de Deus;
– Salmo 107: Deus merece ser louvado por Sua bondade;
– Lamentações 3,25: Deus é bom para os que esperam Ele.
Concentrando a ágape cristã da generosidade-bondade está no Evangelho de João 15,12-14: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros como Eu os amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos”.
Compreensão laica
No cotidiano laico anterior ao século 16, a generosidade-bondade se ligava, estritamente, à aristocracia (generosus = nobre). Mais tarde, passou a identificar a nobreza de espírito, específica da pessoa, não mais ligada à família, ao brasão. No século 18, o entendimento da qualidade pessoal se ajustou ao significado que se mantém na atualidade: dádiva.
Dessa forma, fora da abordagem transcendental, nas ideias e crenças religiosas, é possível iniciar discussão teórica da generosidade-bondade entre várias abordagens:
– Platão: no mesmo eixo dos médicos da Escola de Cós, em especial, Políbio, o genro de Hipócrates, que estruturou a teoria dos Quatro Humores, entendendo a saúde e a doença fora do absoluto controle dos deuses e deusas. Platão, nos primeiros livros (A República e O Banquete), negou que o bem viver com autossuficiência ética estivesse relacionado à posse da fortuna (týkhe), onde, em contrapartida, o mal, as catástrofes e doenças ocorreriam na ausência da fortuna. Contudo, mais tardiamente, no Fedro, reabilitou a fortuna moral como pressuposto para alcançar o bem viver, associando a bondade à fortuna;
– Kant (1724-1804)-Blumenbach (1752-1840): genialmente com análises que beiraram o esplendor da adivinhação, sem terem a menor noção do significado da genética, a partir da conciliação entre os conceitos “epigênese” e “pré-formação”, moldaram reconstruções quanto à possibilidade de haver “impulso para o desenvolvimento” “herdadas por meio das células embrionárias”;
– Heidegger (1889-1976): não é possível entender o Ser e o mundo separadamente, somente ser-no-mundo, nessa condição como ser-que-morrerá, certo da angústia determinada pela morte inevitável, poderá construir dois caminhos: o da alienação e o da autenticidade, onde as presenças da generosidade-bondade e do mal-maldade estão inseridas;
– Memória-sociogenética (1998): esse processo teórico defende a possibilidade futura do desvendar das funções gênicas. O Projeto Genoma, recentemente concluído, somente identificou os genes. O completo conhecimento das funções dos genes possibilitará saber os caminhos das proteínas que regulam as respostas mentais e físicas, ao longo do processo ontogenético, para que os animais de todas as espécies, em especial os humanos, possam fugir da dor e procurar o prazer, aqui compreendido como a fome e a sede saciadas, a garantia do abrigo contra as intempéries, sexualidade-reprodução assegurada, inconformidade com a morte.
As linguagens-culturas se adaptaram às necessidades individuais e coletivas para instrumentalizar e identificar os sentimentos e ações que atuam na sobrevivência da espécie, especialmente, determinando sensações de bem-estar patrocinadas pela generosidade-bondade, atenuando o sofrimento e melhorando as defesas biológicas (não há dúvida de que as pessoas adoecem mais quando estão submetidas ao sofrimento físico ou mental).
A generosidade-bondade ética não está ligada à lassidão! Ao contrário, está amarrada aos sentimentos construídos na ontogênese, como um dos mais importantes instrumentos para ajudar na sobrevivência da espécie; logo, intimamente, atado à técnica, aos saberes.
Esse conjunto complexo da compreensão da generosidade-bondade, nos sentidos religiosos e laicos, como instrumentos de vida, poder ser amalgamado na frase de Gandhi: “A bondade deve estar ligada ao saber. A simples bondade pouco adianta; é o que tenho constatado”.
É exatamente aqui que se unem os ideais das Academias, herdeiras dos da Academia de Platão, do Liceu de Aristóteles e da Escola de Cós de Hipócrates, transbordantes de generosidades-bondades atadas aos conhecimentos, que instrumentam força de persuasão suficiente para impulsionar construções-desconstruções-reconstruções em prol da educação, como o mais importante instrumento de mudança social.