CÉREBRO: O ELO FINAL ENTRE EVOLUÇÃO E CONSCIÊNCIA

Prof.Dr.HC João Bosco Botelho

            O Homem ao longo do processo de evolução tem procurado a natureza das emoções. Existe farta evidência, a partir dos primeiros registros, em torno de 5.000 anos, que a busca foi dimensionada em duas dimensões: a sagrada, sagrando coisas e homens; a profana, buscando a ressonância das ideias na realidade, das coisas visíveis ou mensuráveis.

            Na procura das explicações dos mistérios da vida, muitos desejam saber, por exemplo, por que homens e mulheres se sentem leves e magicamente felizes nas experiências com o sagrado, o numinoso de Jung. Ainda longe das respostas completas, é interessante relembrar como está estruturada essa frenética procura nas mentalidades.

            No espaço sagrado, descrito nos livros sagrados, deuses e deusas estão compreendidos como força motriz dos sentimentos bons ou maus, portanto em si mesmos suficientes como justificativa das emoções sentidas. A vontade divina seria a grande dominadora dos anseios vividos ou esperados. Nessa situação de completa dependência à ordem transcendente, restaria as pessoas cumprirem fielmente o determinismo inexorável, vindo do céu, obedecendo às ordens dos representantes na terra do poder transcendente, os sacerdotes, e agradecer às divindades a vida vivida com oferendas e ritos de louvor.

            No Antigo Testamento (AT) existem citações metafóricas do coração como sede da vida física (Ge 18, 5; At 14, 17), da tristeza (Dt 15, 10), da alegria (Dt 28, 47) e do medo (Dt 20, 3). O Novo Testamento não fez inovações e manteve a mesma certeza de que Deus se comunica com os homens através do coração (Mc 2, 6‑8; Lc 3, 15; 2Co 2, 4).

            O islamismo foi mais longe e estabeleceu a relação com a presença do Espírito sob o duplo aspecto de Conhecimento e Ser. O coração passou a representar o órgão da intuição (al kashf = revelação, ato de levantar o véu) e o ponto de identificação (wajd) com o Ser (al wujud).

            Na dimensão profana, o homem iniciou a longa e dolorosa caminhada para desvendar o próprio corpo escondido atrás da pele, como primeiro momento para saber por que chorava, ria, amava e odiava.

            Hipócrates e os seus seguidores, no século 4 a.C., confrontando as afirmações sagradas, asseguraram ser o cérebro o centro das emoções: “Algumas pessoas dizem que o coração é o órgão com o qual pensamos e que ele sente dor e ansiedade. Porém, não é bem assim: os homens precisam saber que é do cérebro e somente do cérebro que se originam os nossos prazeres, alegrias, risos e lágrimas. Por meio dele, fazemos quase tudo: pensamos, vemos, ouvimos e distinguimos o belo do feio, o bem do mal, o agradável do desagradável…O cérebro e o mensageiro da consciência…O cérebro é o intérprete da consciência…”

            A extraordinária beleza da “Criação do Homem”, pintada por Michel­angelo (1475‑1564), no teto da Capela Sistina, no Vaticano, é uma das mais sublimes manifestações na arte do deslocamento do coração, como o centro do corpo, para o cérebro. O afresco que retrata o momento em que o homem recebeu de Deus a inteligência tem a perfeita forma do sistema nervoso central.

            As pesquisas da neurociência, nos últimos anos, são suficientes para sustentar a veracidade da afirmação de Hipócrates e dos seus discípulos: o cérebro é o elo final entre a evolução e a consciência.

            Por outro lado, o senso comum que a ciência também não compreende bem como se mantém o saber acumulado, observa que a construção das mentalidades é muito mais densa e duradoura se comparada à cultura material. Dessa forma, apesar das evidências cercadas de muitas dúvidas, a maior parte das pessoas continua associando o coração, que altera o ritmo das batidas nas fortes emoções (sob o controle cerebral), como o centro da vida sentimental.

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
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