Prof.Dr.HC João Bosco Botelho
A manutenção do poder dos curadores e adivinhos, ao longo da história, não tem sido uniforme nem permanente. O surgimento do cristianismo pode ser inserido nesse contexto, onde muitos povos, desgastados com as suas antigas crenças, foram buscar na nova mensagem cristã as forças da libertação.
O processo de substituição dos curadores e adivinhos nunca ocorre em linha reta. É efetuado em dois momentos distintos: a desmoralização do antigo e a substituição pelo novo. Todavia, é somente no segundo instante que a mudança do velho pelo novo se consolida, quando pode aparecer o herói mítico de salvação, para satisfazer as aspirações coletivas e minorar o sofrimento.
A Historia está repleta dos registros confirmando a existência, desde tempos imemoriais, dos curadores e adivinhos, que fluíram no sabor das mudanças políticas. Os trabalhos transcrevem em análise elogiosa quando eles apoiam o poder dominante ou, simplesmente, despreza‑os quando representam a resistência.
É melhor entender o papel social dos curadores e adivinhos situado em contexto muito mais amplo. É necessário abordar essa história de longa duração sob o enfoque dinâmico da luta travada entre grupos na ocupação dos espaços sociopolíticos, para que possamos compreendê‑los como agentes de coesão social.
Seria possível que as pessoas reconhecidas como especializadas em curar e adivinhar tenham qualidades especiais próprias ‑ o dom ‑ que os distingam dos outros mortais?
Há milhares de anos, existe o reconhecimento coletivo da existência de homens e mulheres com essas capacidades especiais, pressupostas transcendentes, para curar e adivinhar, intermediando a vontade da divindade. Infelizmente, continuamos sem compreender o significado biológico. Permanece sem resposta a indagação: será que o curso da vida das pessoas pode ser modificado por esse dom?
Enquanto não há outra resposta, continua prevalecendo o sentido bíblico (Tg 1,17): “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vem do alto e desce do Pai das Luzes”, largamente difundido depois da cristianização do Ocidente.
Por outro lado, a maior parte dessa comunicação religiosa acabou sendo feita sobre a regra binário do prêmio-castigo. A saúde, o prêmio pelo cumprimento das ordens; a doença, o castigo pela desobediência. Por esta razão, o aliado do poder dominador que curasse a doença e previsse os infortúnios, representava a divindade. Ao contrário, quem não reproduzisse a mensagem dominadora, mesmo que sarasse e adivinhasse com a mesma competência, era identificado com agente da anti-divindade.