É possível que as práticas de curas na Grécia homérica descritas nos livros ?Ilíada? e ?Odisseia? representem os saberes historicamente acumulados em torno das complexas ligações entre a medicina e as crenças e ideias religiosas, para os tratamentos de feridas secundárias às guerras.
Como nas culturas do Egito, da Mesopotâmia e da Índia as doenças e a saúde eram desígnios dos deuses e deusas. Em outras palavras, não existia processo teórico laico para explicar saúde e a doença fora dos poderes divinos! É exatamente no magnífico, no extraordinário ?Ilíada?, com narrativa em forma de versos, durante o nono ano da guerra de Tróia, que se tornou possível entender essas práticas médicas gregas.
Nas construções do Direito, naquela época, com maior avanço em relação à Medicina, a função do julgador esteve intimamente ligado à estrutura administrativa laica reforçando de modo marcante, em relação às culturas anteriores, o sentimento pessoal e coletivo na aplicação do justo do belo, do harmônico, também valorizando a vida e desprezando vício. Nessa fase, os registros já evidenciavam os elos entre o ser e a sociedade, sem ser possível entendê-los dissociados (Homero, Ilíada, IX, 63).
Na mesma época, diferente do Direito, apesar de existir agentes da Medicina gerida na polis, com médicos amplamente reconhecidos socialmente, eram muito fortes as relações das práticas médicas com deuses e deusas curadores ou provocadores de doenças.
Não é demais repetir que semelhante às culturas na Mesopotâmia, Índia e Egito, na Grécia homérica também não havia um processo teórico para compreender a Medicina fora das crenças e ideias religiosa: as doenças eram consideradas como mal, castigo pelos pecados cometidos e causadas pela vontade dos deuses e deusas.
Entre as culturas assírias e babilônica, em torno do século 18 a.C., o pecador era entendido como alguém doente, privado da liberdade, débil, possesso dos demônio; em alguns texto, a palavra doença também significava pecado!
Mesmo com essa forte ligação que também chegou à Grécia homérica, os agentes da cura, tanto os laicos quanto os sacerdotes, também pensaram e praticaram tratamentos para curar as feridas da guerra de Tróia, com claros registros nos livros de Homero, para controlar a dor e ampliar os limites da vida.
Esse genial escritor e historiador grego, mesmo assinalando a forte presença dos deuses e deusas do panteão grego amparando as práticas médicas, descreveu detalhes de condutas cirúrgicas e curativos, indicadas nos ferimentos de guerra, como os bons resultados dos médicos e exímios cirurgiões Macaon e Podalírio.
Os registros de Homero que enalteceram os resultados dos tratamentos dos médicos e distinguiam a pericia do cirurgião ao sarar a ferida aberta pela espada do inimigo, avizinhou a prática médica grega dos séculos 7 a.C. à do século 4 a.C., quando ocorreria o início do processo de conflito entre a Medicina e as crenças e ideias religiosas, para explicar a saúde e a doença fora das crenças e ideias religiosas, estabelecendo os alicerces da nova e fundamental etapa da Medicina e do Direito na construção dos procedimentos atados à busca da materialidade da doença e do delito.
Na Escola de Hipócrates, essa nova construção está inserida no ?Corpo Hipocrático?, conjunto de textos produzidos na ilha de Cós. Esse conjunto filosófico-médico iniciou o processo da separação da Medicinaal das ideias e crenças religiosas.