AS EPIDEMIAS – DA PESTE A AIDS – O MEDO COLETIVO DA MORTE I

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

”Subtamente ela caiu sobre a cidade de Atenas, atacando primeiro os habitantes de Pireu, de tal forma que a população local chegou a acusar os poloponésios de haveren posto veneno em suas cisternas. Depois atingiu também a cidade alta e a partir daí a mortalidade se tornou muito maior. Médicos e leigos, cada um de acordo com sua opinião pessoal, todos falavam sobre a sua origem provável e apontavam causas que, segundo pensavam, teriam podido produzir um desvio tão grande nas condições normais da vida(…)

TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. 2. ed. Brasília, Ed. UNB. 1986, p. 102.

Esta impressionante descrição de Tucídides da epidemia que assolou a cidade de Atenas, entre os anos 430 e 427 a.C., na Grécia Antiga, constitui o primeiro relato das realções do homem com a ameaça da sobrevivência coletiva por doença de causa desconhecida.

Até hoje, 2414 anos depois o comportamento do homem guarda fortes vestígios da sua herança social das grandes epidemias.

Em diferentes épocas, nos últimos milênios, as epidemias apareceram, espontânea ou propositalmente, e deixaram nos seus rastros a desolação, a morte e o medo coletivo.

Durante longo tempo as epidemias foram agrupadas em torno da palavra Peste. Encontram-se numerosos registros históricos a partir do II milênio a.C., entre  os egípcios, os hititas e os chineses da ocorrência de diferentes epidemias, algumas delas relatadas com muita precisão, possibilitando a identificação da doença .

Não se tem dúvida que o aparecimento das pestes foram associadas, possivelmente, pelos médicos-sacerdotes, com vontade divina, como forma de aumentar o poder do controle social.

No Antigo Testamento encontramos numerosas referências das epidemias sob diferentes designações: calamidade, fome, dilúvio, fogo, doenças e outras. Todas simbolizando a mortalidade de um número grande de pessoas em curto espaço de tempo vitimado pela mesma causa.

A partir dos últimos livros do judaísmo (Sb 10-19; DI – 9,24-27), passando pelos Profetas (Ez 14;21) e Is 24), chega até pragas do Egito (Ex- 7-10).

Em todas estas passagens bíblicas o sentido da peste é claro: representa o castigo de Deus aos homens impuros e a proteção aos eleitos Dele.

O homem sempre fez, mesmo entorpecido pela interpretação mítico-religiosa, a associação do aparecimento das epidemias com alguns insetos e roedores, como a mosca, o gafanhoto, o mosquito e o rato. Milhares de anos antes da demonstração  racional da ligação destes animais com a cadeis de propagação das epidemias, foram registrados inúmeros depopimentos da importância deles no aparecimento das doenças epidêmicas.

Na realidade, a ocorrência das epidemias sempre acompanhou o homem na sua luta pela sobrevivência e de conquista dos novos espaços.

Na ata Idade Média , a ocorrência da peste negra foi descrita  com absoluta precisão por Gregório de Tours no século IV, apesar da sua interpretação religiosa da doença com os desígnos de Deus. Esta epidemia varreu a Europa até o fim do século VIII, em rítmo cíclico de agravamento, e atenuação, ocasionando a desorganização social e econômica de dezenas de cidades.

Foi a epidemia do século XIV, entre 1348 e 1351, uma das que mais marcaram a humanidade pelo medo da doença e da morte coletiva.

Essa peste negra começou na Ásia Central e se propagou pela rota das caravanas no norte do mar Cáspio. Em fins de 1347 chegou à Constantinopla e daí em toda a Europa.

 

É difícil imaginar hoje a extensão da mortalidade de homens e animais ocorrida na Europa em consequência da Peste Negra nestes três anos. O testemunho de Simon de Cevino é eloquente: ”O número de pessoas enterradas foi o maior que o número de vivos ; as cidades  estão despovoadas, milhares de casas estão fechadas a chave, milhares têm as portas abertas e desabitadas; estão repletas de podridão”.

Acredita-se que nesse espaço de tempo , entre 1348 e 1351 a Europa perdeu entre um terço e a metade dos seus habitantes vitimados pela peste negra.

Nessa fase do processo de desenvolvimento  do homem europeu o cristianismo já tinha fixado  a sua base doutrinária e contribuiu decididamente para a formação da idéia de que o aparecimento da peste estava associada com a vontade divina para castigar os pecados dos homens.

O mais impressionante deles foi a suposição de que a AIDS teria sido produzida em um laboratório do Exército americano e no Centro de Pesquisa de Guerra Biológica em Ford Detrick Maryland. Em consequência da quebra de segurança, foi disseminado.

Na realidade, a busca dos culpados tem a mesma finalidade da que motivou, em 1630, a prisão e a morte sob tortura do barbeiro Mora de Milão. Durante o processo foi acusado de possuir um unguento misterioso. A sua casa foi derrubada e em seu lugar foi erguida  a coluna da infância, para assinalar às relações futuras o terrível crime do barbeiro de Milão.

Este trágici acontecimento foi registrado na literatura por Manzone (1785-1873) no seu livro Os Noivos, através de um apêntice A história da coluna infame.

Hoje, sabe-se, que o vírus da AIDS não é único. É muito provável que existam dezenas de variedades mutantes. Em novembro do ano passado, um grupo de pesquisadores  declarou a descoberta da quarta variante do vírus , denominada HTLV-4, que apesar de ter estrutura de DNA semelhante ao HTLV-2, não tem o mesmo potencial de agressividade biológica no homem.

Os últimos estudos epidemiológicos publicados mostram que a Africa negra está severamente contaminada pela AIDS. A proporção atinge a inquietante cifra de 25% do total de pessoas independente do sexo, idade ou hábitos sexuais. de todos os países, o Zaire é atualmente o mais atingido. Para o povo deste país a AIDS é uma imundisse trazida pelos brancos.

Hoje, nos Estados Unidos jé foram diagnosticados 274.000 casos de AIDS e os órgãos de Controle da Saúde Pública calculam que até 1990, morrerão 179.000 americanos em consequencia da doença. A partir desta data a AIDS matará por ano mais que a guerra do Vietnã, na qual morreram 58.000 americanso.

Na África esses números podem ser multiplicados por quinze ou mesmo por  vinte e constituirá mais uma tragédia para sobrevivência humana negra no continente africano.

O Brasil, de deter cifras records de níveis de subdesenvolvimento social,  já ocupa o quarto lugar em números de casos de AIDS já diagnosticados, figurando abaixo somente dos Estados Unidos, França e Canadá.

A igraja católica através de seus membros ilustres já assossiaram a AIDS com a desgenerescência moral, inversão sexual, a troca de parceiros e uma interminável lista de atos condenados pela legislação divina, que são os responsáveis pela rápida propagação do vírus e conclui : É Exatamente no desrespeito à moral católica que vamos encontrar o maior foco de propagação de AIDS entre as sombras, provocadas pelo pecado, vemos o brilhar da grandeza e atualidade dos ensinamentos de Cristo. ( Dom Eugênio de Araújo Sales, cardeal – arcebispo do Rio de Janeiro, JB, 3.1.87).

O que era exclusivo de um pequeno grupo de risco limitado aos homosexuais , hemofílico e usuários de drogas injetáveis, agora existe a certeza que ela pode ocorrer em qualquer pessoa, mesmo que não apresenta dentro da moral Ocidental nenhum desvio do comportamento sexual e social.

 

Em relatório distribuído pela Organização Mundial da Saúde, está clara a recomendação: ” se deve falar da doença a todas as crianças qeu já tem suficiente capacidade de entendimento e que todas as pessoas tenham o risco de serem contaminadas mais rapidamente devem se envolver na campanha de esclarecimento. A AIDS não é mais a preocupação de apenas um segmento da sociedade. É uma preocupação de todos nós”.

Apesar dos vultosos recursos destinados na busca do tratamento eficaz, a medician atual não tem muito a oferecer aos pacientes com AIDS.

Ao contrário das doenças transmitidas por bactérias, onde os antibióticos são muito úteis na maioria dos casos, no caso das viroses, no caso como a AIDS os recursos são absolutamente ineficazes. Foram desenvolvidas nas últimas décadas algumas substâncias  que inibem o crescimento dos vírus como HPA 23 (Tungsto-Antimoniato de sódio), o Suramin, o Ribavarin, o Interferon Alta e a Azidotimidina (AZT) do ponto de vista prático eles são tão úteis quanto foram os misturados de osso de crânio com pó de ouro usado no tratamente da Peste Negra do século XIV.

Apesar dos progressos tecnológicos que permitiram o vírus causador da AIDS dois anos depois da identificação clínica do primeiro doente, ao contrário da Peste Negra, cuja bactéria só foi identificada no século XIX, 1600 anos depois do primeiro registro histórico que nos chegou, os envolvimentos emocionais não são muito diferentes dos relatos de Tucídides e os contidos nas crônicas medievais. Os conflitos, amores , ambições, mágoas e esperanças são muito semelhante.

Já estamos vivendo a realidade dos relatórios de prospecção da epidemia para o ano 2000. O Ministério  da Saúde dos Estados Unidas afirma que morreram 100 milhões de pessoas até o Ano 2000. É bom lembrar que para a consolidação para este quadro faltam apenas 13 anos e que a população é em torno de 130 milhões de pessoas.

Com todo esse Panorama desolador, onde até hoje não tem qualquer indício de tratamento eficaz, a Igreja católica criticou a companhia iniciada em Minas Gerais pela linguagem clara da abordagem dos hábitos sexuais. É impressionante como, séculos depois da Peste Negra, o clero continua a insistir no castigo divino A AIDS NÃO É UM PROBLEMA MORAL É VIRÓTICA.

É muito importante que mesmo sabendo da atual seriedade da disseminação geométrica da AIDS não esqueçamos que no Brasil morrem 500 mil crianças por ano de doenças infecciosas e parasitárias, há 70 mil casos de Sarampo, 2000 de Coqueluche e Tétano, 3000 de Difiteria. Os chagásicos são cinco milhões e alcançam mais de 500 mil novos casos de Malária por ano. Todos esses números, mais assustadores que os da AIDS, por representarem a situação atual náo causam comoção coletiva. Chegam a passar silenciosamente pela consciencia pública.

Não é difícil pensar que aliado a real gravidade para a saúde pública que a AIDS representa, já exista interesse políticos – econômicos inconfessáveis começando a atuar nos mecanismos coletivos  de controle social. Infelizmente, não seria a primeira vez.

 

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SER-TEMPO E O SER-NÃO-TEMPO

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

No intervalo de tempo entre os dois pontos polares da consciência do tempo, o início e o fim da vida, o homem convive com a certeza da doença e da morte.

Nas poucas dezenas de anos em que as pessoas conseguem viver, gastam a terça parte dormindo e o restante, na procura incessante do conforto, da saúde e da justificativa mais coerente da ansiada vida após a morte.

Depois de estabelecer, ao longo de milhares de anos, as relações entre a DP e o prazer, a saúde e  a doença e a vida e a morte, a espécie Homo desenvolveu e acumulou, historicamente, conhecimentos objetivando vencer a DP, aumentar o prazer e prolongar o tempo de vida.

A grandeza biológica das MSGs   humana sobre a de todas as outras espécies se completa com a idealização do ser-não-tempo (SnT) e a  conseqüente esperança do renascimento depois da  morte.

Não trata-se, absolutamente, de demonstrar neste ensaio teórico, o real ou o falso do SnT. Ao contrário, estes pressupostos pouco importam. O essencial repousa na concretitude da idéia, transformando-a em realidade vivida e sentida.

A busca da imortalidade atada à vontade dos SnT é tão antiga quanto os registros paleo-antropológicos que  chegaram dos nossos ancestrais mais distantes. Pode ter sido a responsável pelo aparecimento  da especialização social que deu origem a procura sistematizada do conforto físico e da saúde e também  forneceu as bases teóricas da prática médica como nós a entendemos hoje, isto é,  onde predomina a suposição de que a cura está, intrinsecamente, dependente da vontade de um ou mais SnT dominantes em determinado grupo social.

Se a estrutura básica da sobrevivência de todas as espécies e, em especial, da Homo, está contida na rejeição ao sofrimento e a certeza da existência do SnT ou de qualquer outra imagem simbólica que o substitua, como a do líder carismático, oferece um caminho na busca do prazer, não há porque duvidar de que as complicadas relações com os SnT estejam contidas nas mesmas funções social e genética: fugir da dor.

A crença no ser imortal – SnT – gerou a dualidade matéria-espírito para transpor a inexorabilidade da putrefação do corpo desmemoriado.

O SnT de natureza intemporal em si mesmo, como ficção, prolonga até o infinito a vida das pessoas queridas, oferece  sentido coerente ao renascimento e serve de elo entre o visível e o invisível, rejeitando a morte.

Por outro lado, o ser-tempo (ST) amarrado à finitude da vida, utilizando o SnT como parte instrumental da fuga permanente da DP, estabeleceu dois nexos concretas como símbolos da garantia da vida, na comunicação explícita com os SnT: o sangue que coagula e a terra cultivável.

Ao  invocarem o sangue coagulável que sai do corpo vivo como garantia da vida, traduzem na vida de relação, as MSGs que marcaram as primitivas relações com os outros animais.  Ao contrário, o sangue menstrual incoagulável, sempre representou a anti-vida e, por essa razão, sub-entende a impureza.

O gradativo sedentarismo, a partir do Neolítico, estabeleceu outras MSGs às já existentes e  ligou a reprodução sexuada à fertilidade da terra.

Os dois artifícios de linguagem que o ST tem utilizado  para comunicar-se com os SnT, o sangue e a terra, servem como pontos de apoio para superar o medo da morte e da doença, admirar o intocável pelas mãos,   especular o invisível, acumular e reproduzir os saberes  empurrando as próprias fronteiras do conhecimento.

Como o pensamento está, sem dúvida alguma, dependente do social e da genética, os homens e as mulheres têm grande dificuldade para articular a linguagem fora do conhecimento patrocinado pelas MSGs. Deste modo, os SnT (deuses, duendes, demônios, almas, espíritos), mesmo recheados de variações, são vistos e sentidos com cabeças, braços e pernas.

As evidências apontam para supor que os SnT foram formados à semelhança do corpos visíveis dos ST, desta forma, dotados de comunicação, movimento, pureza e impurezas, ordem e desordem.

É impossível imaginar a existência do ST  fora do padrões sociais e genéticos. Os ST estão há muito, muito tempo, atados ao conjunto gregário, augurando o ideal deslocado, pela força da ficção, para o SnT. É nesta interação que permanecem amando e sofrendo,  ligando a reprodução sexuada à fertilidade da terra, olhando e admirando o desconhecido, dando nomes à natureza visível, especulando o invisível, acumulando e reproduzindo os  saberes.

O cuidado com a saúde e a consciência dos limites da cura podem ter começado em qualquer ponto da escala genealógica e certamente se iniciou na procura do conforto físico. A retirada de espinhos e parasitas da pele em forma individual ou coletivamente com a ajuda de outros membros da comunidade foi a primeira forma de assistência  prestada nos nossos ancestrais. Esta assimilação da conduta social foi fundamental para o desenvolvimento e sobrevivência da espécie.

Os nossos parentes mais próximos, os chimpanzés, com 97% de semelhança genética, são capazes de se tratarem mutuamente lambendo pequenas feridas da pele, retirando parasitas e espinhos que penetram acidentalmente no corpo. Não se trata de simples catação. É indício de verdadeira assistência à saúde, porque envolve atividade consciente e dirigida a um determinado ponto onde está ocorrendo desconforto físico.

A partir   da consciência da temporalidade inexorável no ST, reveladora da  impotência frente a ocorrência das doenças que levavam à morte, multiplicaram-se as relações-médico-míticas20 (RMM). O ponto de convergência desse caminho que moldou o pensamento criativo do homem como artifícios para fugir do sofrimento imposto nos limites da cura, foi o fantástico número dos SnT com poderes de curar e ressuscitar que a História tem registrado.

Desta forma, sob o ponto de vista histórico, é  impossível dissociar  a Medicina dos SnT e das RMM.

As milhares de deidades, espalhadas nos quatro cantos do mundo, foram substituídas, nos países cristianizados, pelos santos que operam milagres capazes de modificar a relação do SnT com a dor, o prazer, a vida e a morte, a  saúde e a doença.

Essas  figuras humanas e míticas continuam carre-gando com elas uma capacidade intrínseca capaz de ressuscitar certos mortos e a cura de alguns doentes. As doenças escolhidas foram sempre as que determinavam impacto nas relações sociais. Já foram lepra, a loucura, a sífilis e a tuberculose. No momento, é  a AIDS e os canceres.

Nas intrincadas relações que o homem desenvolveu com  os medos da dor e da morte prematura, sempre as fez porque desconhecia  a etiologia e o tratamento para evitar muitas dores e muitas mortes. A impotência humana ameni-zou na transcendência dos SnT a rejeição ao desconhe-cido temeroso.

O processo evolutivo ao fixar nas MSGs a busca das divindades como um dos mecanismo de fuga da dor, impôs a grandeza biológica da espécie Homo sobre todas as outras. Com este objetivo e sobre ele, recusando a insegurança vinda com a interpretação das múltiplas formas, o  ST transferiu  o socialmente impossível para a unicidade do SnT antropomórfico, com poder sobre-humano capaz de resolver todas as aflições da sobrevivência .

A dificuldade, quase intransponível, de se alcançar mais explicações fora da frieza dos registros desenterrados, reside no fato  de que as crenças e as  idéias não são fossilizáveis. Quando a arqueologia escava um túmulo e junto com a paleontologia começa a estudar o esqueleto e os utensílios encontrados, farão importantes conclusões de muitos aspectos relevantes que ajudarão a compreender o grupo social do morto, porém a maior parte dos valores e pensamentos dele continuarão  perdidos em mar de conjecturas. Essas dificuldades são proporcionalmente maiores na medida que recuamos no tempo.

O processo de consolidação das MSGs passou pela  conquista do fogo e das consciências do  tempo finito, ligadas ao ST, e pelo êxtase do Sol e do tempo infinito, unidos ao SnT,  e assinalaram a separação definitiva dos nossos ancestrais dos seus antecessores

A mais antiga comprovação da utilização do fogo data de mais ou menos  600.000 anos. O uso racional do fogo aliado com a busca pelo conforto  físico também contribuíram decisivamente para a sobrevivência dos nossos ancestrais. O calor, vindo do sol ou do fogo cultivado, está profundamente marcado nas MSGs como sinônimo de vida e prazer.

A associação simbólica do Sol como o mais importante SnT  é tão antiga quanto que se perde no tempo.

Existem muitos indicativos sugerindo o Sol ou o elemento simbólico  solar como o principal SnT desde épocas imemoriais. Os saberes historicamente acumulado  evidenciaram, muito cedo, a importância da presença desse astro no ritmo da vida e da morte.

A linguagem, de modo semelhante, também orienta na mesma direção: a palavra deus deriva da raiz divv, que em sânscrito  significa o luminoso.

Da raiz divv, derivam quase todos os nomes dos SnT dos povos europeus: deus grego, diva lituano, dia  irlandês, dieu francês, dio italiano, dios espanhol e outros.

A mitologia  abriga outros indícios da estreita participação do Sol como o SnT fundamental. O mito hindu da Trindade composto de Savistri, Agni e Vayú identifica, respectivamente, o Sol, o fogo e o ar. O ofertório cerimonial do pão e do vinho faz-se ao fogo sagrado, unindo o fogo como sacrificador e sacrificado numa só entidade. Os oferente e os fiéis recebiam as dádivas da vida, o pão e o vinho, como instrumentos de Agni.

A interligação entre os três elementos simbólicos é singular na medida em que um dos ritos védicos, permanece celebrando o nascimento de Agni no solstício do inverno, em torno de 15 de dezembro.

Chrisna, Mitra, Oro, Apolo e Adonis estão entre os SnT redentores que nasceram no solstício do inverno, em torno de 25 de dezembro, quando o Sol renasce no horizonte.

Existem muitos registros históricos que identificam Mitra como imagem simbólica do Sol. No primeiro século, em Roma, uma grande parte da população e do núcleo de poder adoravam Mitra. Só assim é possível explicar a inscrição latina Deo Soli invicto Mithrac mancando muitos aspectos da vida social romana.

A presença de Mitra era feita por meio de um disco solar rodeando a cabeça de determinado personagem.  Talvez tenha sido umas das  razões pela qual, em determinadas épocas da cristianização da Europa, os teólogos e padres firmaram um esforço concentrado para combater Mitra e substituí-lo pelo símbolos cristãos. Contudo, restaram resíduos muito fortes que continuam apontando para os resíduos do sagrado em torno do Sol21, atados às MSGs, na organização do cristianismo:

  1. O Deus nascido de uma virgem no solstício do inverno e ressuscitado na Páscoa, equinócio da Primavera;
  2. O cortejo dos doze apóstolos está consoante com as religiões heliostáticas. Os egípcios, os gregos e os persas e os romanos possuíam doze grandes deuses;
  3. A defesa de Tertuliano aos cristãos acusados de cultuarem o Sol;
  4. O primeiro dia da semana, o domingo, é em homenagem ao Sol;
  5. A data da comemoração da Páscoa varia com o calendário solar.

Por ser intocável e inalcançável, mas ao mesmo tempo indispensável à vida, a identificação do Sol como o SnT, representou durante milhares de anos a principal alternativa para  fugir da dor. Deste modo, tocou o genoma e estabeleceu nova seqüência específica nas MSGs.

O passo seguinte, ocorrido num tempo perdido na herança filogenética, foi a mudança  na forma e na função do sistema nervoso para responder por meio do novo padrão identificador do Sol como SnT. Os novos circuitos  específicos, na rede neurônica  do neocórtex, passaram a reagir favorável à invocação do SnT Sol, propiciando ao sistema neuro-endócrino  liberar, imediatamente, várias substâncias (semelhantes à morfina e ao diazepan) , na corrente sanguínea, que protegem o ST do medo e da angústia excessivos.

O processo resultante da presença dessa substâncias tranquilizadoras determina a sensação de bem-estar e o aumento da defesa autoimune, interferindo de tal forma consistente na sobrevivência, que fornecem a autenticidade indispensável para o SnT.

Nessa altura da composição da MSGs, nenhuma im-portância existe na antiga querela se o SnT criou o ST ou vice-versa. O SnT é real e vivido no cotidiano como um indispensável recurso da sobrevivência.

É indispensável assinalar que a idéia que materializa a presença simbólica do Snt, em todas as crenças, está tão fortemente atada às MSGs que o concretismo independe de qualquer juízo de valor.

Os SnT são verdadeiros, oniscientes e onipresentes em si mesmos. Carregam consigo a expressão máxima do poder sobre as pessoas e as coisas. Por esses motivos, os SnT podem suportar interpretação ambígua. Ou são usados, em determinada cultura, como instrumentos de luta contra à dor ou, em outras, como meios de transcender o sofrimento para perpetuar o desconforto.

A imaginável vida depois da morte analisada comoo mais forte  instrumento para aproximar o frágil ST ao todo poderoso SnT, tem acompanhado o homem na sua busca para prolongar ao máximo a memória da vida. Possivelmen-te, esta fantástica busca começou com a idéia religiosa arcaica de que é possível, ao animal, renascer a partir dos ossos descarnados pelo sepultamento.

Neste sentido é conhecida a citação  do Antigo Testamento:

 

Ezequiel, 37:1-8 – ”A mão do Senhor veio sobre mim e me conduziu para fora do espírito de Iahweh  e me pousou no meio de um vale  que estava cheio de ossos. E aí fez com que eu me movesse em torno deles de todos os lados. O ossos eram abundantes na superfície do vale e estavam muito secos. Então me disse: Filho do homem, porventura tornarão a viver estes ossos? Ao que respondi: Senhor Iahweh, tu o sabes. Então me disse: profetiza a respeito destes ossos e disse-lhes: Ossos secos ouvi a palavra de Iahweh. Assim fala o Senhor Iahweh a estes ossos: Eis aí vou fazer com que sejais penetrado pelo  espírito e vivereis. Cobrir-vos-ei de tendões, farei com que sejais cobertos de carne  e vos revestirei de pele. Porei em vós o meu espírito e vivereis. Então sabereis que eu sou   Iahweh.”

 

A  preocupação com os ossos e a certeza  da decom-posição do corpo após a morte influenciaram decisivamente no comportamento do homem em relação ao processo do sepultamento ritualístico.

Os documentos arqueológicos mais antigos e confiáveis desse estudo são as ossadas. O início do sepultamento ritualístico data entre 70.000 e 50.000 anos. Em esqueletos e restos de ossos deste período, foram encontradas a ocra vermelha (argila colorida pelo óxido de ferro com várias tonalidades pardacentas), que substituiu o ritual do sangue como símbolo da vida, sugerindo a crença, já naquela época, de que a existência de nova vida após a morte era considerada não só possível , mas alcançável através  de práticas coletivas que envolviam o tipo de inumação das pessoas.

Somente a esperança da imortalidade pode justificar a preocupação que acompanha o ST, desde a sua origem, no ritual do enterro das pessoas amadas.

É difícil aceitar essa parte vital das relações humanas como exclusivamente social ou, simploriamente, ligada à reprodução das imagens oníricas.

Entre os sepultamentos ritualísticos, datando entre 70.000 e 50.000 anos, melhores estudados, constam:

 

  1. No sítio arqueológico Le Moustier, na França, um esqueleto de adolescente do sexo masculino, girado sobre o seu lado direito como se estivesse dormindo, com o crânio repousando sobre pilha de sílex servindo de travesseiro e tendo ao lado um machado de pedra cuidadosamente esculpido próximo a vários ossos de gado selvagem, sugerindo que foi enterrado com grande quantidade de carne para servir de alimentação na sua nova vida após a morte;

 

  1. Em Teshid Tash, na Ásia Central, a ossada de criança jazia sobre os ossos de uma rena cujos chifres formavam espécie de coroa ao redor da cabeça da morta;
  2. Na caverna de Shanider, no monte Zagros, no Iraque, o esqueleto de um homem adulto sobre uma enorme quantidade de pólen fossilizado de flores de diferentes espécies vegetais. A análise desse pólen mostrou tratar-se de plantas medicinais, ainda hoje utilizadas, pelos habitantes daquela região, no tratamento de diversas doenças. É provável que o homem enterrado tivesse sidoo curador do grupo social e as plantas colocadas no túmulo para que ele continuasse o seu trabalho específico na outra vida após a morte;
  3. Na gruta Chapelle-aux-Saints, na França, foi encontrado o esqueleto do homem adulto acompanhado de vários utensílios de sílex com pedaços de ocra vermelha.

 

A ação humana de empurrar os limites da cura, desde muito tempo, por meio das MSgs acionando os circuitos cerebrais identificadores dos SnT, tem sido o sustentáculo social da busca explicativa do sentido da vida e da morte, da saúde e da doença.

Os SnT e as suas imagens simbólicas, estruturados nas MSGs ao longo do processo de humanização, como um dos instrumentos de sobrevivência, são tão concretos quanto qualquer outra parte do mundo das idéias.

 

 

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