Prof. Dr. HC João Bosco Botelho
Após a terceira guerra púnica, os romanos consolidaram o vasto império no Mediterrâneo. Nos anos seguintes, os romanos resistiram à Medicina grega hipocrática. O historiador romano Marco Pórcio Catão no século II d.C., expõe a sua opinião: “Os gregos decidiram matar todos os bárbaros com a Medicina e a ainda cobram por isto “e em carta a seu filho é incisivo: “Proíbo-te de recorrer aos médicos”.
O médico-sacerdote grego foi parcialmente substituído pelo curandeirismo doméstico que utilizava em larga escala as ervas, os banhos e os vomitórios.
O espírito legislador romano não deixou de abordar as atividades médicas. Com a regulamentação romana, os médicos passaram a constituir uma categoria profissional definida, tanto entre os homens livres como entre os escravos. As obrigações do médico eram estipuladas pelo Estado que pagava os seus serviços profissionais.
Sob o império de Adriano, no século II d.C., os médicos eram dispensados do serviço militar e quase todas as cidades romanas dispunham de médico oficial. Até hoje, 1800 anos depois, nem todas as cidades do inferior Do Amazonas dispõem de médicos e as que os têm, com raras exceções, possuem a instrumentalização mínima necessária para o exercício da profissão.
Em torno do século IV d.C. a profissão médica foi severamente fiscalizada e foi instituído rigoroso exame para todos que quisessem exercer a profissão. O império romano subvencionava os estudantes de Medicina , mas em troca erram obrigados a prestar assistência aos pobres. Os médicos foram proibidos de praticar o aborto e negar o atendimento a qualquer doente, sob risco de castigo corporal e multa, Nesta mesma época, sob o império de Diocleciano, no ano de 300 d.C., um édito do Imperador impunha como condição para entrar na escola de Medicina, a apresentação de certificado de boa conduta fornecido pelo comando militar da cidade de origem. Esta prática ainda hoje é utilizada em alguns países da América do sul e no Brasil era prática comum anos atrás, o “ a estado de bons antecedentes” constava dos documentos exigidos para a concretização de matrícula nos cursos superiores.
A diferenciação entre médicos e cirurgiões foi reforçada e Cícero falava dos médicos verdadeiros, o que corresponderia aos clínicos gerais de hoje. Em seus versos, Cícero registrou a especialidade médica: “Cascelio extirpa ou cura os doentes; tu Igino, queimas os cílios que irritam os olhos, Eros elimina as tristes cicatrizes dos servos e Hermes goza de fama de ser o Podalírio das hérnias (…)”.
Os historiadores da Medicina acreditam que o grande número de especialista na Medicina romana tenha sido conseqüência não somente dos progressos técnicos, mas principalmente porque as especialidades eram mais lucrativas para quem as exercia. Alguns médicos especialistas romanos, como Stertínio, conseguiu formar verdadeira fortuna como fruto do trabalho médico.
Provavelmente, em conseqüência de abusos nos lucros obtidos por alguns médicos, no anos de 368 d.C.Valentianiano proibiu que os médicos empregados do Império recebessem dinheiro dos doentes pobres. Respeitando novamente as devidas proporções, o problema continua na luta dos institutos de assistência médica dos países pobres, inclusive no Brasil, pela cobrança indevida de serviços médicos prestados aso seus segurados.
As contradições das relações médico – paciente são as mesmas ao longo dos séculos. Na realidade , não se pode atribuir somente aos baixos salários pagos aos médicos dos países do Terceiro Mundo, a responsabilidade destes acontecimentos.
Todos estes problemas éticos e pecuniários não impediram o aparecimento de grande figuras na Medicina romana. Entre os médicos romanos, um dos quais mais se destacou foi Galeno, considerado como o sucessor de Hipócrates e que iria influenciar decididamente a Medicina medieval.
Cláudio Galeno nasceu em Pérgamo, na Ásia Menor, no ano de 130 d.C. Foi sem dúvida o mais famoso médico do seu tempo. As suas obras, a maioria perdida, abordavam a anatomia, a fisiologia, a patologia, a sintomatologia e a terapêutica. Estas obras foram compiladas e publicadas em Veneza no ano 1538 e constituiu o principal livro de consulta dos médicos medievais. Galeno sofreu grande influencia da escola eclética, cujo principal representante foi Cícero.
O outro médico romano que ficou na História foi Sorano, nascido em Éfeso, como o genial Heráclito. Os escritos de Sorano que foram recuperados são de extrema lucidez e bom senso. Ele descreve a existência dos obstetras, que deveriam ser numerosos, uma mistura de práticos e artesãos especializados, semelhantes às parteiras da atualidades. Ao lado deles, Sorano descreve os aborteiros, que eram punidos pela lei romana quando descobertos. Também como hoje, raramente ocorriam as punições, porque a sociedade aceitava a prática do aborto, mesmo sendo proibido pelo Império Romano.
Entre as obras de Sorano destaca-se o Manual de Ginecologia, que serviu de orientação para os médicos durante quase quinze séculos, praticamente sem qualquer contestação. Neste manual, ele descreve com absoluta precisão as posições anormais dos fetos no útero grávido: 1) Podálico com os pés unidos; 2) Podálico com um só pé ; 3) Ajoelhado; 4) Sentado; 5) De ombros. Estas posições anômalas do feto no desenvolvimento do parto, ainda hoje, representa maior atenção para os obstetras, mesmo com todos os recursos atuais.
Sem dúvida alguma o Império Romano preocupou-se com a prática médica e procurou, através de normas jurídicas, constituir um serviço público definitivo. Porém, este início foi a partir da assistência médica às legiões romanas, que foram as primeiras beneficiárias da suas institucionalização, com a construção de hospitais militares em diferentes regiões do imenso Império Romano. O mais famoso deles foi o de Vindonissa, em Windish, na atual Suiça, com sessenta quartos e capacidades para 480 doentes distribuidos em enfermarias. Do hospital militar para o civil foi um passo. Estes hospitais romanos podem ser considerados como precursores dos nossos atuais.
A preocupação coma saúde pública era inquestionavel. A Lei das Doze Tábuas que remonta aos primórdios da República, estabelecida normas para o sepultamento e queima dos cadáveres fora dos muros da cidade e a construção dos esgotos, como o Esgoto Máximo em Roma, que só seria revisto no século XI e ainda é utilizado na parte antiga da cidade.
As autoridades públicas fiscalizavam o cumprimento das normas que regulamentavam a higiene pública. Os grandes arquitetos romanos, como Vitrúvio, recomendavam a escolha de lugares ensolarados para a construção das casas.
Além dos cuidados com a organização das cidades, foram construídos centenas de banhos públicos para estímulo da higiene pessoal. Estas termas, algumas recuperadas pelos trabalhos arqueológicos, como o de Diocleciano, em Roma, podiam obrigar em diferentes piscinas e salas de ginásticas centenas de pessoas ao mesmo tempo.
Mesmo considerando a característica sócio-política do Império Romano, mercantil- escravista, e que somente os homens livres desfrutavam dessas facilidades é inevitável a comparação com as populações que moram nas periferias urbanas das cidades brasileiras que não dispõem de água para a higiene pessoal e onde os esgotos correm a céu aberto junto com a brincadeira inocente das nossas crianças.