A Medicina no tempo – XI ( Contemporânea)

Prof. Dr. HC João Bosco Botelho

 

A partir da Revolução Francesa, da consolidação do Estado Moderno e das ondas de transformações sócio-políticas que se seguiram em todo o Ocidente, a Medicina teve, uma vez mais, seus rumos redimencionados e adaptados ao novo tempo.

Entre os movimentos sócio-políticos emergentes que ganharam excepcionalmente crescimento, estão o Positivismo e o Socialismo.

Além da Revolução Francesa, o século XVIII testemunhou a Revolução Industrial, que juntas constituíram o suporte político-ideológica para a implantação da Sociedade Capitalista.

A importância desses fatos foi de tamanha magnitude que provocou real transformação estrutural, invertendo a ordem social anterior e levando a rachaduras no aparelho de sustentação das instituições públicas exisentes.

Os ideólogos sócio-políticos preocupados com a manutenção da ordem e a estabilidade das instituições, salientavam a importância da autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores morais para que se alcançasse a harmonia social.

Estas idéias serviram de base na elaboração teórica de alguns cientistas sociais da época. A análise social deveria ter postura de neutralizar na identificação dos problemas sociais para que fosse possível a manutenção da ordem e o progresso não fosse interrompido.

O positivismo teve como principais representantes: Augusto Comte (1798-1857), Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint Simon (1760-1825), Emile Durkhein (1858-1917), Herbert Spencer (1820-1903).

Segundo Augusto Comte, consideradoo principal representante do Positivismo e um dos fundadores da Sociologia, o estudo da sociedade deveria ser orientado no sentido do conhecimento das leis imutáveis da vida, abstendo-se de qualquer consideração crítica e eliminando-se a discussão sobe a realidade existente.

A sua Lei dos Três Estágios pelos quais passaria a sociedade – teológica, metafísica e positiva – seria a , explicação última dos fenômenos sociais. O último estágio, o positivo, seria o lugar de consolidação do Capitalismo e deveria ser preservado.

De forma mais distemática, Emile Durkheim procurou estabelecer o método de investigação na Sociologia. Foi um crítico do Socialismo e afirmava que o fulcro dos problemas sociais não era de natureza econômic. Sustentava que o responsável pelas desigualdades sócio-econômicas era a fragilidade moral do homem.

Do mesmo modo Saint-Simon acreditava que os valores morais poderiam servir de sustentáculo na reorganização da sociedade.

Emile Durkheim representou nova fase do Positivismo-Lógico quer serviria de ponte para Herbert Spencer elaborar as teorias do Estrutural-Funcionalismo,

É esta corrente ideológica contemporânea – Estrutural-Funcionalista – que influenciará decididamente nos novos rumos da Medicina ocidental nos países de economia capitalista.

A diferença fundamental entre o Positivismo e o Estrutural-Funcionalismo é que o primeiro tem como finalidade a manutenção da ordem através do todo social e o segundo aceita algumas reformas na estrutura da sociedade com objetivo de manutenção do equilíbrio social, principalmente em momentos de crise.

Entre os mais importantes funcionalistas estão: os antropólogos Bronislaw Kasper Malinowiki (1884-1942) e Radcliff Brown e o sociólogo americano Talcott Parsons.

O socialismo montou a sua estrutura ideológica lentamente. Inicialmente apareceram os socialistas utópicos, Ludwig Feuerbach (1804-1872), David Strauss (1808-1874), Max Stirner (1806-1856) e Bruno Bauer (1802-1882). Eles elaboraram uma crítica da sociedade burguesa sem apresentar métodos para buscar as soluções.

Com a análise econômicos –social de Karl Marx (1818-1883), a publicação do Manifesto Comunista por Marx e Frederic Engels (1820-1895) e todos os acontecimentos políticos que se seguiram, o marxismo passa a ser a única corrente ideológica coerente dentro do socialismo.

Sem qualquer dúvida, o marxismo penetrou fundo em todas as áreas do conhecimento e influenciou de modo marcante a Medicina, principalmente nos países subdesenvolvidos e nos socialistas.

É compreensível a influência que o marxismo tem na elaboração do discurso médico contemporâneo nos países de economia capitalista com industrialização tardia. A convivência diária que o médico mantém com as inaceitáveis diferenças socio-econômicas que predominam nestas sociedades, fazem com ele tente analisar as causas determinantes do perfil da saúde pública, mesmo que algumas vezes sem o adequado suporte do embasamento teórico indispensável para evitar I maniqueísmo e a abusiva interferência política partidária.

Essa influência do pensameno marxista no discurso médico é tão forte na atualidade que os trabalhos científicos e tese que não adotara o método materialista dialético não são consideradas seriamente. Esta ortodoxia lembra, sob alguns aspectos, outras tentativas de dominação do pensamento ocorrido ao longo da história por diversas correntes ideológicas.

A Segunda metade do século XX écaracterizada pela certeza universal de que a Ciência é a única estrada que leva ao verdadeiro conhecimento. Nesta época começa a desaparecer a figura do cientista isolado, herói que desafia os mistérios da natureza.

Começa  a formação da equipe de trabalho multidisciplinar e a obstenção de novos resultados como fruto do trabalho coletivo. O grande exemplo desta nova mentalidade foi Claude Bernard (1813-1878), o grande fundador da fisiologia, que publicou Introduction à I’étude de la médicine experimentale, em 1865, dando início a prática da experimentação sistematizada nas Ciências Biológicas.

Finalmente, a Medicina assiste e compreende o seu segundo e último corte epistemológico em 45.000 anos de história, desde a primeiro vestígio da ação médica primitiva, comprovada em esqueleto achado no Monte Zagros, no Iraque, com traços de amputação cirúrgica do braço direito a datação confirmada pela utilização do carbono quatorze (“A Crítica de 07.07.86,  no Tempo I). Trata-se da elaboração das Leis da Genética pelo monge agostiniano Gregor Mendel, em 1865.

Anos depois, entre 1901 e 1903, a comunidade cientifica já verificava na história da ciência em outras ocasiões, a publicação simultânea e independente de descoberta comum. Os pesquisadores Hugo De Vries (Holanda). Carl Correns (Alemanha) e Erich Tschermack (Áustria) descrevem as suas conclusões sobre as leis da hereditariedade e confirmam o que o obade Mendel tinha afirmado nas sessões de 8 de fevereiro e 8 de marco de 1865, na União dos Naturalistas de Brunn.

Em seguimento as estudos de Mendel, em 1923, um grupo de pesquisadores concluíram que a espécie humana te quarenta e oito cromossomos, sendo vinte e três pares autossômicos e um par e cromossomos sexuais  Xy e que eram responsáveis por todas as características herdadas na fecundação.

Esses cromossomos se denominam genoma, que é o conjunto de instruções completas para construir um ser humano e escrito em combinações de DNA ( ácido desoxirribonuclêico) nos cinqüenta mil genes da espécie humana.

Todos nós, seres humanos, temos duas cópias dele em cada célula do corpo, uma proveniente do pai e outra da mãe. Cada gen é uma receita para fabricar uma ou mais proteínas e cada uma delas tem uma ou mais funções na complexa engrenagem do corpo humano. Na intimidade bioquímica do genoma encontram-se os gens que controlam tudo, absolutamente tudo, desde o aparecimento do câncer até o tipo de processo de envelhecimento.

O fantástico tamanho do genoma é calculado, aproximadamente, em 3,5 bilhões de bases de DNA e até hoje só foram identificados 6,7 milhões de bases, o que corresponde apenas a 0,2% do total.

Porém, enquanto a Medicina, através da pesquisa genética, não desvenda por completo o genoma humano, as buscas alternativas não podem parar. Muitas descobertas foram feitas na Segunda metade do século XIV e na primeira do XX, que no seu conjunto, mesmo timidamente, conseguiram atenuar as contradições da ação médica na tentativa milenar de modificar as relações vida/morte e saúde/doença.

Sem rigor cronológico, podemos citar algumas entre dezenas:

– Rudolf Virchow (1821-1878) aprofunda os estudos das células normais e patológicas,

– Louis Pasteus (1822-1895) define a fermentação e a vacina anti-rábica,

– Joseph Lister (1822- 1895) demonstra a necessidade de assepsia cirúrgica,

– Robert Koch (1822-1910) descobre o bacilo da tuberculose,

– Paul Erlich (1854-1915) inicia os estudos da imunologia,

– Ivan Pavlov (1848-1936) sistematiza em laboratório os reflexos condicionados e avança na fisiologia do sistema nervoso,

– Camilo  Gorgi (1844-1926) aprofunda o conhecimento da microestrutura do sistema nervoso,

– Wilheim Roentgen (1845-1923) descobre os raios X, que terá enorme aplicação na Medicina nos anos seguintes,

– Pierre Curie (1859-1906) e Marie Curie (1867-1934) fazem o estudo pormenorizado da radiação atômica do urânio,

– Karl Landsteiner (1868-1941) classifica o sangue em grupos A,B AB e O.

– Sigmund Freud (1881-1953) desenvolve a psicanálise.

– Alexandre Fleming (1881-1953) descobre a penicilina

Toda a Medicina Ocidental contemporânea gira em torno dos dois cortes epsitemológicos: o estudo da microestrutura e das leis da hereditariedade.

Enquanto os países industrializados e ricos trabalham na tecnologia de ponta para desvendar completamente o genoma, na conservação de ovos humanos, na mudança do componente genético de animais e plantas, nos países subdesenvolvidos, inclusive no Brasil, vivemos a era  domínio do diagnóstico da microestrutura, seja celular ou bacteriano.

A hospitalização e a taxionomia não são problemas fundamentais nem tampouco novos. Certamente que o início da vigilância médica começou de modo sistemático com a Escola de Cós e se consolidou ao longo dos últimos dois mil e quinhentos.

Apesar da consciência plena de que nós não podemos falar em saúde coletiva sem resgatar a imensa divida social com milhões de brasileiros, nada deve impedir que a Medicina brasileira comece a luta instituicionalizada no domínio das informações genéticas, porque lá é que teremos as soluções concretas para a saúde plena e duradoura.

A cirurgia atual, apesar o aparente desenvolvimento, se fundamenta em dois suportes: a anestesia e o controle das reposições hemo-hidro-eletroliticas, que permitem ao cirurgião se debruçar por muito tempo sobre o objeto da sua arte – o doente. A cirurgia continua a ser o que sempre foi ao longo de 45.000 anos da História da Medicina: uma arte que exige conhecimento do corpo humano e destreza manual.

Pode-se-ia afirmar, sem qualquer constrangimento de errar, que foi pela razão de “se sonhar” em viver para sempre, fielmente no desfilar dos milênios, que permitiu ao homem alcançar a porta da solução das doenças.

Sobre João Bosco Botelho

Retired professor, Federal University of Amazonas and State University of Amazonas. Professeur à la retraite, Université Fédérale d'Amazonas et Université d'État d'Amazonas
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