João Bosco Botelho, Doutor Honoris causa, Universidade Toulouse III-Paul Sabatier
É possível entender as práticas de curas por meio das relações sociopolíticas:
- Empíricas, resultantes do conhecimento historicamente acumulado, sem compromisso de desvendar as enfermidades.
- Divinas, estruturadas na fé religiosa de a matéria ser modificada pela ação de deuses e deusas, também distanciada da busca para compreender as doenças. está assentada no fato de que a Medicina oficial molda o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento sobre propostas teóricas.
- Oficial, muito mais recente se comparada às anteriores, autorizada pelos poderes políticos dominantes, reproduzida nas instituições de ensino objetivando esclarecer as origens das doenças e indicar os tratamentos competentes para curar, podendo ser repetidos com eficácia nos quatro cantos do mundo. A única que conseguiu aumentar os limites da vida.
A oficial apresentou três conjuntos teóricos ou cortes epistemológicos se usarmos a teoria de Gaston Bachelar, para desvendar as doenças, nominando e quantificando objetivando a cura:
- Teoria dos Quatro Humores, elaborada pela Escola Médica Cós, da Grécia, no século IV a.C., trazendo a doença à dimensão do corpo. Imenso avanço, pela primeira vez, a enfermidade recebeu abordagem fora do domínio das divindades;
- No século 17, após a publicação de Marcelo Malpighi (1628‑1694), a doença iniciou o processo de compreensão sob os novos saberes da microestrutura celular. Estava instalado o pensamento micrológico, indispensável à nominação de doenças, ao diagnóstico e prognóstico em incontáveis enfermidades.
- No século 19, após as publicações do frade agostiniano Gregor Mendel (1822‑1844), impulsionou a passagem do diagnóstico celular à molécula, inaugurando a mentalidade molecular. O fruto final deverá ser a completa compreensão dos genes, fortalecendo a compreensão genômica das doenças.
Mesmo com os avanços da melhor compreensão da morfologia da doença, na macro e micro dimensão, obtidos em pouco mais de dois mil anos de história, o médico sofre, no cotidiano, incontáveis dúvidas. Sem poder empurrar os limites do sofrimento, notadamente, nos cânceres e nas enfermidades imuno-moduladas, as terapêuticas não conseguem respostas satisfatórias.
Por essa razão, é razoável pensar o futuro com novos avanços. Se as moléculas são compostas de átomos, o próximo corte epistemológico será o atômico, isto é, o desvendar das doenças nas estruturas dos átomos.
Essa é uma das grandes sagas da inteligência humana: continuar empurrando os limites da vida a partir do desvendar da arqueologia da doença!
Homenagem ao extraordinário Gregor Mendel.